domingo, 26 de dezembro de 2010

O menino de Pedregulho (SP)


Extraído do livro “As 16 derrotas que abalaram o Brasil”, Sebastião Nery, 1975,pags. 34-36.


Esta é uma história de menino pobre do interior do Brasil. Filho de Otávio e da mãe Isaura. Irmão de Vicente e Maria Alice, Orestes Quércia nasceu em 18 de agosto de 1938 numa fazenda do distrito de Igarçaba, município de Pedregulho, na Alta Mogiana, extremo-oeste de São Paulo:
Da porta de casa eu via o rio Grande, muito grande, correndo largo. Do outro lado, era Minas, ali tão perto PE para mim tão longe, depois do rio enorme”.
Fez o primário e o ginásio em Pedregulho. Com 17 anos, foi para Campinas fazer o Curso Normal. Ia ser professor primário. Mas a vida não espera, precisava trabalhar. Virou reporte do Diário do Povo, foi eleito vice-presidente do grêmio estudantil da Escola Normal, organizou um congresso estudantes secundários. No dia em que completou 18 anos, avisou amigos, num papo de garagem:
-Daqui a três anos estou com 21 e vou me candidatar a vereador. Preciso do apoio de vocês.
Foi candidato. Pelo PTB. Derrotado. Não desanimou. Entrou para a Faculdade de Direito de Direito, criou um grupo de colegas a Universidade da Cultura Popular, foi locutor da rádio Cultura, continuou repórter, trabalhou na sucursal da Última Hora e acabou presidente da Associação Campinense de Imprensa.
Em 1963, elegeu-se afinal pelo PL, 512 votos, o menos votado e o mais jovem da Câmara. Em 1966, no meio do mandato, sai candidato à Assembléia Legislativa pelo MDB. Só 14.800 votos, um dos mais votados do Estado. Só em Campinas 5.600. Dois anos depois, deixa novamente o mandato pelo meio e se candidata à prefeitura de Campinas. A cidade sempre fora liderada por dois grupos que se alternavam no poder. UDN de um lado. PSP e PTB de outro. Juntaram-se ambos na Arena, que lançou três candidatos com sublegendas. O MDB também lançou três. Quércia sozinho fez 43.500 votos. Os outros cinco (3 da Arena e 2 do MDB), todos somados, só chegaram aos 43 mil votos.
Foram quatro anos de trabalho para valer. Segunda maior cidade do estado, Campinas não tinha sequer um plano diretor. Renovou tudo.l Serviço de água, saneamento. Pronto Socorro. 8 mil casas populares, praças de esportes com piscina nos bairros pobres, cidade industrial. E foi por isso que, quando ele saiu, o MDB elegeu seu diretor do Serviço de Águas, com de 80% da votação do município.
Em novembro de 73, estive em Campinas lançando as 350 Histórias do Folclore Político. No almoço com um grupo de jornalistas, ele rabiscava o guardanapo de papel do restaurante com a certeza de quem soma dói mais dois:
- Vou ser o senador em 74. A Arena não pode deixar de lançar o Carvalho Pinto, porque ele está muito dividida internamente e só professor unirá os grupos todos. E minha chance é esta. São Paulo, como o Brasil, está cansado desse tipo de político velho, que passa a vida repetindo as mesmas coisas e não apresenta ao povo nenhuma opção nova. Você vai ver. Vou sacudir São Paulo de ponta a ponta e ganhar a eleição. Não adianta alegar que o MDB é pequeno. Nós vamos reorganizá-lo e fazê-lo grande.
E bebia água mineral, um copo atrás de outro, para hidratar os 83 quilos do 1,82 de altura.
- E você vai conseguir a indicação na convenção?
- Vou. E é muito simples. Dos 570 municípios paulistas, o MDB só tem diretórios em 220. Aí é só uma questão de trabalho e de equipe. Até a convenção, que será em agosto, temos dez meses para fundar diretórios e comissões provisórias no resto. Chegarei lá invencível.
Chegou. Disputando com Lino de Matos, presidente do Diretório Estadual, e Freitas Nobre, deputado, teve mais de 80% da convenção. Como o suplente Samir Achoa, vereador da capital, o sloganReaja e Participe – e uma equipe toda jovem, ele saiu para o interior:
- A vitória resultou de uma longa, exaustiva pregação democrática, de um árduo trabalho junto às bases. A parte que me coube do trabalho cumpri à risca. Eu e uma magnífica equipe de assessores percorremos juntos todos os pontos do Estado. Em inúmeros casos partimos do zero. Tivemos oportunidade de experimentar a sensação do mais completo abandono em  muitos lugares. Na havia ninguém disposto a nos receber, mesmo que fosse para oferecer um cafezinho. Por exemplo, na pequena cidade de Ubirajara, na região de Ourinhos, que era um símbolo da situação do MDB nas pequenas cidades paulistas. Não havia lá ninguém disposto para nos receber. Procuramos um contato com o chefe político, homem da Arena naturalmente. Sentado numa cadeira à porta de seu estabelecimento comercial, não se deu ao trabalho de levantar nem de estender a mão para responder a nosso cumprimento. “Quércia já ouvi falar. Mas aqui o senhor não tem vez. Nem o senhor nem o MDB”. Com mossa presença, Ubirajara era uma cidade amedrontada. Sentia-se o medo no ar, na poeira das ruas. Até o padre se mantinha extremamente cauteloso. Recebeu-nos na casa paroquial, fazendo a ressalva de que não podia se comprometer com a oposição. Não desistimos, e afinal conseguimos encontrar um cidadão que não tinha medo e no ofereceu um cafezinho. Vencemos a eleição em Ubirajara. Até 15 de setembro, quando começou a campanha gratuita no rádio e na TV, uma pesquisa em Bauru e na região do ABC, do Grande São Paulo indicava 7% para mim e 75% para o professor Carvalho Pinto. Com poucos dias de propaganda, a labareda virou chama. Fazíamos às vezes dez comícios por dia. Levávamos o povo às ruas a partir de 9 da manhã. Foi uma luta difícil, de David contra Golias muito poderoso. Foi uma vitória do trabalho e da esperança”.
No dia 13 de novembro, Petrônio Portela almoçava em Teresina, recebeu um rádio urgente de São Paulo:
- Campanha perdida. Quércia 5 a 1 na capital. a) Governador Paulo Egydio.


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