O primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, está fazendo o máximo que pode para evitar a falência nacional. Mas nem todos os setores do governo estão cooperando. A Justiça do país tem se recusado a processar centenas de casos proeminentes de corrupção.
Assim que a campainha toca, as luzes se apagam e as persianas são fechadas no segundo andar de um prédio de apartamentos nos arredores de Atenas. Para o visitante indesejado, isso visa passar a impressão de que não há ninguém em casa. Desde que Nikos Kanellopoulos, 62 anos, começou a aparecer nas manchetes, ele não está mais disponível para comentários.
Kanellopoulos é provavelmente o funcionário público mais conhecido da Grécia no momento. Ele trabalhou no funcionalismo por 37 anos, mais recentemente como chefe de departamento no Ministério da Cultura. Ele se aposentou no final de dezembro de 2008. Ele deve ter sido muito bem-sucedido. Segundo as autoridades da receita, ele é dono de 10 propriedades, incluindo o prédio de apartamentos de quatro andares onde fica o seu próprio apartamento de 126 metros quadrados, no subúrbio de Nikaia.
Os fiscais da receita também descobriram 11 contas bancárias pessoais em quatro bancos diferentes. O total geral de todos os depósitos feitos nas 11 contas somam 8.923.506,58 euros (mais de US$ 12 milhões). Desse valor, mais de 8 milhões de euros entraram nas contas durante os últimos 10 anos de Kanellopoulos como funcionário público. A pergunta é, de onde veio o dinheiro?
O caso de Kanellopoulos é visto como um exemplo particularmente drástico do mal grego. Ele ocupa as manchetes no momento porque contrasta enormemente dos imensos esforços do primeiro-ministro George Papandreou para evitar a falência nacional que ainda ameaça a Grécia.
Serviço público inchado
Além de reformular completamente a política financeira de seu país, o primeiro-ministro precisa reeducar o país inteiro. Apesar das várias greves gerais, ele aumentou os impostos e implantou um programa de austeridade radical que enxugou o serviço público inchado.
As amplas reformas administrativas, as primeiras da Grécia, são chamadas “Kallikratis”. No início do ano, o número de municipalidades será reduzido de 1.074 para 325 e o número de administrações regionais de 52 para 13. Com tantos níveis de governo, “a corrupção é quase a consequência natural”, diz o ministro das Relações Exteriores, Dimitris Droutsas, notando que o Kallikratis é um dos blocos de construção mais importantes da “nova Grécia”. Os eleitores gregos parecem concordar, ao concederem uma vitória aos socialistas de Papandreou nas recentes eleições municipais, apesar de que por uma margem muito menor do que nas eleições nacionais de outubro do ano passado.
É claro que o governo grego também poderia explorar o caso de Kanellopoulos como propaganda, apontando para os abusos espantosos que está limpando. Mas é isso o que realmente está acontecendo?
O inspetor-geral da administração pública, Leandros Rakintzis, levou o caso de Kanellopoulos aos olhos do público. Seu trabalho é investigar desperdício e corrupção na burocracia do governo. Apesar do fiscal-chefe não citar nomes, ele forneceu tantos fatos e detalhes sobre o caso que o funcionário público aposentado foi rapidamente exposto.
Não queremos falar a respeito
Kanellopoulos alega que recebeu o dinheiro como um subsídio do governo para uma associação cultural dentro de seu ministério, que paga por festas de Natal, festas de verão e viagens de funcionários do ministério. Ele foi brevemente por duas vezes vice-presidente da associação, em 1996 e 1998. O único problema com sua história é que ele não conseguiu fornecer recibos, segundo o relatório de uma auditoria interna realizada pelos fiscais da receita, obtido pela “Spiegel”.
“Nós não queremos falar a respeito”, diz sua esposa, Athanasia. Apesar de Kanellopoulos estar evitando fazer declarações públicas, é improvável que ele sofra alguma consequência séria. Isso também é tipicamente grego.
O caso Kanellopoulos envolve um fenômeno que é conhecido popularmente como “atimorisia” e pode ameaçar seriamente os esforços para promover as mudanças necessárias na Grécia. “Atimorisia” significa “impunidade” em grego. Ao lado de “fakelaki”, um termo usado para descrever subornos menores, e “rousfeti”, a palavra para favores especiais, esta é a terceira expressão a surgir da crise grega que provavelmente entrará para o vocabulário europeu para descrever malversação.
O problema não é novo. Por anos, a Justiça criminal da Grécia tem sido criticada por ser lenta e ineficaz, perdendo documentos e permitindo que julgamentos se arrastem. Segundo o inspetor-geral Rakintzis, a Corte Europeia de Justiça já decidiu 340 vezes contra a Grécia em casos relacionados a este problema.
Por anos, há uma discussão em andamento sobre as brechas substanciais que muitas leis gregas oferecem. No caso de Kanellopoulos, por exemplo, os fiscais da receita chegaram à conclusão incrível de que não podem exigir o pagamento dos impostos não recolhidos sobre sua renda chocantemente alta. Como a fonte dos fundos “não está relacionada ao exercício de sua profissão”, os fundos “não estão sujeitos a taxação, mesmo se tiverem sido adquiridos de modo ilegal”.
Tratamento especial
O que é novo, entretanto, é a acusação –feita recentemente perante um comitê parlamentar pelo inspetor-geral Rakintzis– de que o Judiciário tem acobertado sistematicamente os casos de corrupção no instante em que envolvem funcionários públicos ou detentores de cargos públicos. Na condição de um ex-juiz com 38 anos de experiência, mais recentemente como membro da suprema corte do país, a Areopag, Rakintzis fala com autoridade.
Ele disse ao comitê que mesmo o gabinete do procurador-geral frequentemente demonstra pouco interesse em processos sistemáticos. Além disso, ele acrescentou, ocorreram “veredictos que não posso explicar, mesmo com minha experiência”. O que ele estava dizendo é que figuras proeminentes recebem tratamento especial.
Desde que assumiu o cargo em 2004, Rakintzis já denunciou 427 casos de peculato, abuso do cargo, propina e corrupção aos investigadores. Chocantemente, ele disse, seus esforços não levaram à abertura de uma única investigação ou de processo –apesar da procuradoria-geral ser obrigada a fazê-lo. “A explicação mais provável é que a maioria desses casos ainda está em fase preliminar de investigação”, Rakintzis diz diplomaticamente.
Sua análise teve ainda menos impacto internamente. Em meados deste ano, Rakintzis apresentou uma queixa formal ao procurador-geral chefe ligado à suprema corte do país, apontando para a falta de movimento em todos os casos que ele denunciou. O procurador-geral reagiu prontamente, mas não como o esperado. Ele deu a Rakintzis um prazo para que fornecesse, por escrito, detalhes concretos adicionais para apoiar suas acusações, caso a caso. Ele o fez um mês depois –e acrescentou outros 749 casos à lista. Ele ainda não recebeu uma resposta.
“Eu sou um juiz constitucional honorário. Eu não ganho dinheiro com isso”, diz Rakintzis, um homem baixo e rotundo que considera seu trabalho um dever. “Esse é o motivo para estar livre para fazer da forma como quiser.”
‘O grande paciente’
Assim, livre de quaisquer restrições, ele revela abusos e faz suas fortes críticas sem se preocupar com nomes ou posições. Por exemplo, ele descobriu a agora lendária agência “Kopais”, que foi criada em 1957 para supervisionar a drenagem do Lago Kopais, perto de Thebes. O lago desapareceu no mesmo ano, mas a agência e seus 30 funcionários existem até hoje. Ela finalmente foi colocada em uma lista de 750 agências do governo que deverão ser fechadas. A única pergunta agora é: quando?
Há aproximadamente três anos, Rakintzis descobriu 32 médicos que trabalhavam no maior hospital de Atenas e que realizaram cerca de 400 cirurgias de apêndice, coração e olhos –pelo menos segundo o que escreveram nos prontuários dos pacientes. Na verdade, eles realizaram cirurgia plástica, que não é coberta pelo seguro-saúde, e enviavam as contas aos planos de saúde dos pacientes. “Era uma gangue”, diz Rakintzis, e ainda tinham a audácia de colocar cirurgias cosméticas no alto de suas listas de prioridades, enquanto pacientes com condições sérias e casos de emergência ficavam na espera.
O caso ainda não viu o interior de um tribunal. “Frequentemente parece que não temos Judiciário”, diz o ex-juiz constitucional. O próprio Judiciário, ele acrescenta, é “o grande paciente”.
Tradução: George El Khouri Andolfato (UOL)
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