sábado, 23 de outubro de 2010

Lula perdeu chance de Nobel da Paz, diz alemão autor de "Brasil, País do Presente"

ARIADNE ARAÚJO
colaboração para a Livraria da Folha

Jornalista alemão Alexander Busch está no Brasil há quase 2 décadas
Jornalista alemão Alexander Busch está no Brasil há quase 2 décadas

Correspondente alemão elege o pior e o melhor do Brasil recente
A hora e a vez do Brasil? O mundo conhece o famoso postal brasileiro - carnaval, praias e futebol. Mas agora, algo destoa nessa imagem idílica de paraíso. Em vez de fazer samba e gols, o país concentra-se agora em outra ambição. A de entrar para ficar no clube seleto das novas potências econômicas do planeta. Nessa corrida, o Brasil aposta alto: é modelo na produção e consumo de combustíveis alternativos, grande fornecedor de matérias-primas, tem enorme potencial agropecuário, bancos sólidos e dá suas cartas na diplomacia mundial.
Entre incrédulo, assustado e interessado, o mundo acompanha de perto o boom brasileiro. Para os especialistas, a saúde econômica brasileira promete. De olho nesse novo cenário, o jornalista alemão Alexander Busch lançou "Brasil, País do Presente - O Poder Econômico do Gigante Verde" (Cultrix). Morando no Brasil há quase 2 décadas, ele diz que o país tem muitos trunfos para decolar, mas, a exemplo do que aconteceu nas empresas públicas e privadas, precisa dar um "salto de qualidade" também na sua política.
Mas há ainda algumas pedras no caminho do Brasil. Em entrevista à Livraria da Folha, Busch diz que manobras políticas mal pensadas, como a aproximação com o Irã e Cuba, tiraram de Lula a chance de ganhar o Prêmio Nobel da Paz e fizeram o país perder simpatizantes. Agora, o Brasil precisa urgente investir em segurança, educação e preparar mão de obra para o futuro que bate à porta.
Leia entrevista.
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Livraria da Folha - No seu livro, o senhor diz que o tema Brasil como "potência" econômica e país "concorrente direto" de outros grandes europeus, como a Alemanha, não tem interessado muito aos alemães. Eles preferem o Brasil do carnaval, samba e futebol. No Brasil, no entanto, o seu livro encontrou forte interesse por parte do público. Como foi a recepção do seu livro aí na Alemanha?
Alexander Busch - Foi muito bem recebido. Confesso que fiquei um pouco incrédulo no início, pelo fato de ter sido publicado por lá há um ano, quando a economia da Alemanha ainda estava mergulhada em uma tremenda crise. Ninguém quis acreditar que um país como Brasil que por décadas era sinônimo de país emergente em crise, estava se saindo melhor do que todas as outras economias da Europa e dos EUA. Tenho a impressão de que meu livro ajudou a alertar o público na Alemanha sobre o potencial político e econômico do Brasil. Principalmente na política e na administração pública, onde negligenciaram o Brasil até recentemente. Este clichê do Brasil conhecido como o país do carnaval, samba e futebol que permanece na sociedade alemã e principalmente na mídia está mudando rapidamente. Há uma nova demanda de informação sobre o Brasil na Europa. Prova disto é que este livro será reeditado na Alemanha já em 2011.
Livraria da Folha - O senhor tem acompanhando o Brasil com olhos de jornalista europeu, conhecedor da questão América Latina. Na sua opinião, esse país que o senhor descreve no livro é "reconhecível" pela população brasileira? Ou seja, os brasileiros e empresas brasileiras (os atores econômicos) têm uma visão clara do que está acontecendo com o país?
Busch - É necessária uma breve explicação. Um jornalista estrangeiro, como qualquer observador de fora, tem a vantagem de poder acompanhar e descrever o desenvolvimento de uma sociedade ou economia com certo distanciamento. Não é melhor nem pior do que um observador local. O correspondente simplesmente vê o país de outro ângulo. É talvez comparável a um historiador que analisa um acontecimento do passado. Como correspondente, tento juntar as diferentes opiniões e interesses particulares na sociedade e descrever o que acontece num país em grandes linhas. No Brasil acontece uma coisa interessante: apesar das projeções aparentemente muito diferentes sobre o futuro do país, vejo uma surpreendente convergência de ideias no âmbito das empresas, na política e na sociedade. Uma visão bastante clara - como você está perguntando existe, em minha opinião, nas elites dos diferentes grupos da sociedade. Do Itamaraty até o sindicalismo, das empresas da indústria até agronegócio e as ONG ambientais eu não vejo tantas diferenças entre as visões deles em relação ao Brasil. Não existe uma grande divisão na sociedade brasileira como em outros países latino americanos. O Brasil é bastante admirado justamente por isso. O que mais atrapalha países como Venezuela ou Argentina são os grandes antagonismos dentro destas sociedades.
Livraria da Folha - O senhor cita no seu livro que o governo do Brasil, apesar da forte pressão mundial, não deu a devida atenção à questão ecológica ou "verde". Também sabemos que parte importante e crescente do PIB do Brasil está sendo engolida pelos gastos da máquina governamental. Quais são, na sua opinião, os reais problemas que poderiam atrapalhar o Brasil nesse plano de crescimento e de "potência emergente"?
Busch - A péssima infraestrutura, a sobrevalorização do real, a pouca eficiência do Estado em providenciar implementos em setores como saúde, segurança e educação estes são alguns dos problemas que em curto prazo mais atrapalham o país como potência emergente. Nestes itens o governo melhorou muito pouco nos últimos anos. A respeito da questão ecológica, eu nem estou tão pessimista. Eu vejo um fortalecimento de temas verdes na sociedade, na mídia, na política e entre os empresários de uma rapidez surpreendente nos últimos dois, três anos. Claro que o governo Lula e os candidatos Dilma e Serra menosprezam a política verde até hoje mas eles receberam a conta no primeiro turno. Este potencial de eleitores verdes nenhum político esperto vai deixar de lado nas futuras eleições.
Livraria da Folha - O Brasil se prepara para ser uma potência econômica, mas como o senhor vê o problema da nossa educação de base, mais baixa que em países da Ásia? Sem prepararmos nossa mão de obra para um mundo horizontal, como poderemos dar o salto? Isso vai atrasar o país, comparando-se à velocidade dos outros?
Busch - Isso já está atrasando o país tremendamente agora. Eu não vejo o país crescer nas taxas projetadas de mais de uma média de 5% ao ano na próxima década. Porque faltam pessoas capacitadas suficientemente. É possível perceber que o desemprego nas faixas dos jovens entre 18 e 24 anos está crescendo e não diminuindo, apesar do crescimento e de muitas empresas buscando mão de obra. Outro exemplo é o projeto do pré-sal. Fala-se quase exclusivamente sobre as dificuldades de conseguir capital para investimento. Mas, em comparação, é muito mais fácil de conseguir dinheiro do que empregados bons. Nem falo da demanda não atendida de pesquisadores e engenheiros qualificados. É possível melhorar este panorama em relativamente pouco tempo, talvez em 5 a 10 anos. Mas precisamos de governos determinados, que vejam educação como prioridade absoluta. Até agora estes não existiam no Brasil ainda que o país já tenha tido e tenha excelentes profissionais e dirigentes no ramo da educação.
Livraria da Folha - O senhor acha que o protecionismo contra importações de outros países pode ajudar em curto prazo a economia brasileira, mas a longo prazo enfraquecê-la?
Busch - Sim, exatamente. Eu não vejo outro jeito da economia local se proteger contra as importações no curto prazo com este Real forte a não ser de uma cerca mais alta de impostos de importação e ajuda aos exportadores. Mas este novo protecionismo com certeza vai atrapalhar o desenvolvimento do país. Porque o que verdadeiramente atrapalha a capacidade de competição das empresas brasileiros é o que costumamos chamar de "Custo Brasil" ninguém vai mexer de novo se todo mundo se acomoda numa ilha protegida por protecionismo. Politicamente é sempre mais fácil aumentar imposto do que cortar custo. O custo que isto implica para a sociedade será alto: até hoje o mercado de consumo local está sendo muito mal servido pelas empresas apesar do forte aumento do poder aquisitivo. Não é possível que a maior parte dos produtos de consumo na Alemanha estejam mais baratos do que no Brasil, apesar das pessoas lá na Europa terem um salário médio bem mais alto do que os brasileiros. Isto não é apenas uma consequência do Real forte e dos altos impostos como governo e as empresas gostam de alegar. Já faz parte de um mercado protegido.
Livraria da Folha - Ao contrário da China, com projeto claro e ambicioso de "ganhar o jogo", o Brasil tem tido boa dose de sorte nesse caminho de "potência". Também somos "pacíficos", burocráticos, parte de nosso sistema é corrupto e somos lentos demais para as mudanças. Como poderemos, assim, ganhar "essa corrida da globalização", contando sempre com um "pouco de sorte" e sem uma boa estratégia?
Busch - A estratégia internacional do Brasil até recentemente foi a de não se intrometer nos assuntos internos de outros países. E jogar com os meios de um "soft power" através de uma diplomacia muito bem preparada. Foi uma estratégia adequada para a posição do Brasil no mundo por um bom tempo. Sorte também não faltou nos últimos anos e o governo soube muito bem aproveitá-la. Agora com a nova importância econômica do país na era da globalização, esta estratégia externa também tem que se adaptar. O governo Lula ensaiou algumas mudanças para um maior papel internacional recentemente. Não foram muito felizes em minha opinião, como no caso de Cuba e do Irã. Parecia uma desesperada tentativa de mostrar ao mundo que somos também importantes e não sempre os bons moços. Com isto, o Brasil perdeu simpatia no mundo. Não sei se o presidente Lula está ciente, mas eu penso que, com estas manobras mal pensadas, ele perdeu uma grande chance de ganhar o prêmio Nobel da Paz como o presidente que mais avançou no mundo em reduzir a pobreza num país democrático. Mas isto, no futuro, será apenas um detalhe na trajetória pessoal de Lula. Tenho esperança de que a política externa do Brasil seja guiada de novo na tradição preponderante das últimas décadas, mas, claro, ampliado na altura da crescente importância do país do mundo.
Livraria da Folha - Como a Europa, acompanha nossa eleição? Quais são os principais receios mencionados? Ou a confiança se mantém, independente de quem vença a eleição?
Busch - Esta eleição é de longe a mais observada na Europa desde que trabalho como correspondente no Brasil, ou seja, dos últimos quase 20 anos. Todos os meios da Alemanha mandaram equipes ou jornalistas renomados. Reportagens sobre Dilma e Lula até apareceram no jornal "Bild", o maior tabloide da Alemanha, o que é muito difícil de acontecer. Nas reportagens em geral domina ainda a surpresa sobre o "Brasil que está dando certo". Se vai ser o Serra ou a Dilma que presidirá o país a partir de 2011 não faz muito diferença nestas reportagens de destaque. Em geral, as eleições totalmente transparentes, limpas e rápidas são positivamente mencionadas.
Livraria da Folha - Alguma nova observação a mais sobre o tema geral do livro, que o senhor acrescentaria à edição, caso fosse possível?
Busch - Eu escrevi o livro em abril e maio de 2009 no auge da crise econômica mundial, que neste momento também ameaçou se alastrar no Brasil. Apesar de o tradutor Flávio Quintiliano e eu termos atualizado a edição para o Brasil, não é fácil acompanhar o ritmo das mudanças no país. As mudanças negativas na política internacional do Brasil, já mencionei na edição brasileira. Outro exemplo que mudou para o lado negativo é a crescente influência do Estado na economia. Eu vi no meu livro, como uma grande vantagem das empresas do Brasil, que o controle do universo deles está equilibrado entre o Estado, a iniciativa privada e o capital estrangeiro. Temo que o Estado, num governo parecido com o de Lula, aumentará o controle estatal além do equilíbrio. Isto vai diminuir a eficiência e aumentar a corrupção, sem dúvida. Por causa destas mudanças rápidas, a editora na Alemanha não quer apenas atualizar o livro, mas reeditá-lo. No ano que vem a nova posição do Brasil na economia mundial já será um fato, mas o menos consumido. Interessante agora será observar como e se o Brasil vai conseguir a segunda etapa do fortalecimento e se estabelecer como novo poder mundial. Tenho certeza de que esta segunda etapa será muito mais difícil do que a primeira. Mas tem boas chances de acontecer. 

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