sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Entrevista com Adauto Bezerra

José Adauto Bezerra de Menezes nascido em Juazeiro do Norte no dia 3 de julho de 1926.
Filho de José Bezerra de Menezes e Maria Amélia Bezerra. Aluno da Academia Militar das Agulhas Negras no Rio de Janeiro onde concluiu o curso de Oficial do Exército, estreou na política via UDN e contou com o apoio da família para ser eleito deputado estadual em 1958, 1962, 1966 e 1970 disputando estas duas últimas eleições pela ARENA chegando a assumir o governo por duas vezes na condição de presidente da Assembléia Legislativa. Em 1974 foi indicado governador do Ceará pelo presidente Ernesto Geisel renunciando ao cargo para disputar o pleito de 1978 no qual foi eleito deputado federal. Para evitar cisões no esquema governista firmou em março de 1982 o Acordo dos Coronéis ou Acordo de Brasília com César Cals e Virgílio Távora para assegurar a eleição de Gonzaga Mota para governador sendo que o PDS venceu a contenda com Adauto Bezerra como vice-governador. Em 1985 transferiu-se para o PFL e foi candidato a governador do Ceará em 1986 sendo derrotado por Tasso Jereissati (PMDB). Nomeado para o comando da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) pelo presidente Fernando Collor em maio de 1990, afastou-se da política ao deixar o cargo e tornou-se sócio-proprietário do Bicbanco ao lado de seu irmão gêmeo Humberto Bezerra.
Fonte:http://pt.wikipedia.org/
Entrevista publicada no jornal O Povo em 2510.2010

O POVO – Vamos começar a entrevista falando sobre o senador Tasso Jereissati?
Adauto Bezerra
– Eu poderia dar uma ideia? Por que não começamos lá do passado?

OP – Claro. Pois por qual parte o senhor quer começar?
Adauto
– Eu comecei a minha vida pública, política, quando fui eleito pela primeira vez em 1958.

OP – Qual era o partido?
Adauto
- UDN (União Democrática Nacional). Aí vieram os governos Parsifal Barroso, Virgílio Távora, Plácido Castelo, veio César Cals, aí vem o Adauto Bezerra, Virgílio de novo, Gonzaga Mota...

OP – Aí veio a eleição que o senhor disputou com o Tasso, em 1986.
Adauto
– Lembro que quando saí do governo (1975-1978) fui deputado federal (1979-1982, eleito com mais de 120 mil votos, uma das maiores votações do Nordeste à época). Aí vim ser vice do “Totó” (apelido do ex-governador Gonzaga Mota, 1983-1987).

OP – Como nasce a vontade de ser político?
Adauto
– A vida pública, no meu caso, foi um acaso. Eu era tenente e meu irmão Humberto também. Servíamos em Recife. A campanha era a de 1954. Meu pai foi vereador, presidente da Câmara de Juazeiro do Norte. O candidato à época era meu padrinho de batismo, primo do meu pai, José Geraldo da Cruz. A campanha vinha decorrendo normalmente. Mas em maio daquele ano, plena campanha, meu pai teve um infarto. Foi fulminante, ele morreu. Daí, o Zé Geraldo, que era o prefeito, estava em Recife e foi à minha procura e do Humberto. “Perdi a minha campanha, meu compadre, que era o maior chefe político de lá, acaba de morrer e eu não tenho mais pra onde sair. Talvez tenha até que desistir”. Eu e Humberto conversamos e dissemos um para o outro, “vamos honrar o compromisso do pai”. Um pede seis meses de licença, o outro pede seis, completa toda a campanha. Éramos nós assumindo o compromisso que ele não pôde cumprir porque havia falecido. Humberto me antecedeu, fez os seis meses dele, deu impulso bom à campanha. Em seguida entrei, também dei mais impulso, o resultado é que a vitória foi maravilhosa. Como éramos irmãos gêmeos, viramos “Os Bezerras, “Os meninos”, “Os tenentes” que ganharam a eleição. Aí começou o nome a entrar na onda da especulação.

OP – Quantos anos o senhor tinha?
Adauto
– Eu nasci em 1926, isso foi em 1954. Tinha 28 anos. Era primeiro tenente. Vem a história. O Zé Geraldo, eleito prefeito e empossado, eu venho transferido para Fortaleza e ele me pediu para ajudar e ser o ponto de contato dele aqui (em Fortaleza) para a prefeitura. Ou eu ia com ele às secretarias ou ia assisti-lo junto ao próprio governador, que à época era o Paulo Sarasate. Deu tudo certo. Zé Geraldo levou um governo difícil porque não tinha recurso nenhum, mas no final disse “meu afilhado, você vai ser deputado. Juazeiro não tem nenhum deputado”. E eu, na minha inocência, já tinha sido promovido a capitão, um jovem de 29 anos, dei mais assistência ainda, e meu nome cresceu na cidade. Não tinha a menor experiência. Hoje digo, só a juventude mesmo. Fizemos a campanha, nosso candidato a prefeito perdeu, mas muito distante. O vitorioso foi o doutor (Antônio) Conserva Feitosa. Os meus adversários lá eram Wilson Roriz, grande deputado, e o federal era Colombo de Souza. Pois foi diante desses adversários de alto porte que comecei a minha luta. E para surpresa minha fui o mais votado de Juazeiro.

OP – A que o senhor atribui isso, ter sido o mais votado?
Adauto
– Meu pai. “É o filho do Zé Bezerra”. Comprei um Jeep 1954, daqueles cara alta. Cinco da manhã me levantava, passava na padaria, comprava minha alimentação, bolacha e pão. Botava dentro do Jeep e saía. Rodei todo aquele Cariri, distrito por distrito, cidade por cidade, só voltava à noite.

OP – Como eram as condições para se fazer campanha política naquela época?
Adauto
– Eu geralmente ia fardadinho. O Jeep parava, eu ficava em pé. Daqui a pouco tinha 20 pessoas e eu dava o recado. Ficava no chão. “Sou o capitão Adauto Bezerra, de Juazeiro, sou candidato a deputado, gostaria de fazer alguma coisa por vocês. E se vocês pudessem me ajudar, eu ficaria muito satisfeito”.

OP – As pessoas diziam o que precisavam ou o senhor prometia algo?
Adauto
– “Ah, vou votar é nesse rapaz”. Aí a história crescia. Quando eu voltava lá a segunda vez já era quase um comício. Eu tinha uma memória fabulosa, ainda hoje tenho. Quando chegava lá, passava telegramas, “muito obrigado por seu comparecimento à nossa reunião”. Aquele telegrama saía mostrando a todo mundo. Era o filho do Zé Bezerra. Meu pai tinha a qualidade de pacificar. Tanto que enquanto ele foi vivo, nenhum advogado conseguiu botar uma banca para dirimir as questões. Porque todos corriam lá pra casa. Mulher brigava com o marido, iam lá pra ele apaziguar. Um crime, ele entrava pra apaziguar. Á época o Plácido Castelo foi juiz de Juazeiro e nomeou meu pai como delegado. Ele não aceitou, mas o Plácido disse “você fica com o título e bota uma pessoa qualquer que você queira para ficar de fato e você de direito”. E assim foi. Pois a UDN elegeu 16 e eu fui o oitavo mais votado. Na segunda eleição, eu já fui o mais votado do Estado. Na terceira, o mais votado. Na quarta, o mais votado. Fui presidente da Assembleia duas vezes, fui presidente de todas as comissões. Era o conceito que a gente fazia, ser amigo de todos. Quando foi para escolha do governador, aqui veio o Petrônio Portela (advogado e político piauiense) sondar quais seriam os melhores candidatos para levar ao presidente Ernesto Geisel. Ele ouviu, quando chegou na Assembleia, o César Cals tinha como candidato o general Luciano Salgado. Eu entrei. Ele ouviu a todos. Isso era 1974. Eu fui unanimidade. Até um do MDB gritou que queria ser ouvido. O nome dele era Lourival Banhos. Pensei, o que será que ele vai dizer. “Doutor Petrônio, só tem um homem aqui pra ser o candidato a governador. É o deputado Adauto Bezerra”. Disse bem alto. Todo mundo aplaudiu. Então ele levou meu nome ao presidente Geisel dizendo que realmente era unanimidade na Assembleia. Fui escolhido. A comunicação da escolha foi por telefone. Ligou o doutor Humberto Barreto, que era meu primo.

OP – Daí o senhor e seu irmão já tinham um lastro político...
Adauto
– Depois que saí deputado convidei meu irmão Humberto para ser candidato a prefeito de Juazeiro. Ele contra três do outro lado, ele foi o mais votado, teve mais que a soma dos três. Aí consolidou, Adauto no Legislativo, ele no Executivo como prefeito. Ele foi deputado federal duas vezes, foi vice-governador do César Cals e foi secretário.

OP – A comparação pode até parecer esdrúxula, mas o senhor vê alguma semelhança na carreira política dos irmãos Adauto e Humberto e os irmãos Cid e Ciro?
Adauto
– Pode até parecer. É que eu e o Humberto somos iguais em tudo. Também porque somos gêmeos. Ele vem aqui conversar comigo ou eu vou lá, trocamos uma ou duas palavras e o resto é entendido. Não se discute coisa nenhuma. Um transmite ao outro. Se eu chego aqui calado, pergunta se eu estou preocupado. Em tudo por tudo nós andamos juntos, desde a gestação na minha mãe até o dia de hoje. E, coincidência, às vezes a roupa que eu visto é a que ele tem. Não que combinemos. Às vezes, num almoço, eu com meu prato e ele afastado, quando terminamos, pode examinar, o que estava no meu prato estava no dele.

OP – Eu falo da semelhança entre vocês quatro em relação à trajetória política.
Adauto
– Mas vamos observar o comportamento de um e de outro. Nós somos irmãos quase siameses. Eles às vezes distoam. Você não vê que o Ciro é mais língua solta, mais conversador, mais atirado, violento não, mas ele não engole muito não. Ao passo que o Cid é calmo, tranquilo, sereno, ouve muito, fala pouco. É o comportamento de cada um, é da pessoa, você não pode obscurecer.

OP – O senhor já tinha feito essa comparação entre vocês e eles?
Adauto
– Não, tinha feito não. Eu e o Humberto nascemos juntos. Tivemos uma só gestação, a mesma escola primária, o mesmo ginásio, o mesmo Colégio Cearense, a mesma Escola de Cadetes, a mesma escola militar, os dois oficiais lá no Rio Grande do Sul, os dois voltaram para Recife, depois Fortaleza. Entramos na área industrial, com usina de algodão, usina de óleo, tecelagem. Depois, banco. Nós dois em tudo, tudo. Nunca tivemos a menor discussão. Mesmo partido. Mesmo pensamento em tudo.

OP – O senhor gostou mais de ser político ou empresário?
Adauto
– A vida política é a melhor que você possa examinar quando você faz por vocação. Como esse trabalho com a Santa Casa e Vila Serena. Me sinto feliz, quando me sentia feliz quando chegava um vereador, um prefeito, “coronel, o senhor pode me ajudar”. Eu nunca deixei um prefeito ir sozinho numa secretaria. Por isso fui sempre crescendo. Se tenho uma obrigação a fazer, vou cumprir com meu dever. Ainda hoje.

OP – Mas o senhor compara sua trajetória política e sua vida empresarial?
Adauto
– Todas duas são gratificantes. A vida política é a obra que você deixa. Não há um município que eu não tenha feito alguma coisa.

OP – Qual foi o marco do seu governo?
Adauto
– O meu marco não tem marco porque é enterrado. Você não vê. Qual é a sua idade?

Demitri – 43.
Adauto – Você é muito jovem ainda. Eu tenho 84 (risos). Fortaleza era toda abastecida com carroças d´água, puxadas por burro. Água da Itaóca. Não tinha nada. Quem tinha fossa em casa? Quando tomei posse, fui lá falar com o presidente Geisel. “Presidente, Fortaleza é uma cidade grande, a população crescendo muito, mas o abastecimento d´água e o saneamento não existem. E o Estado não tem recurso para fazer uma obra desse vulto”. “Eu vou ajudar, vou ajudar”. Fui lá com o ministro Rangel Reis. Então iniciei o serviço de esgotamento sanitário. As ruas eram todas esburacadas, mas estavam botando cano dentro. Um interceptor oceânico, na praia, e o emissário submarino, para jogar em correntes distantes os dejetos. Qual foi a obra? Ninguém vê. Está escondida, enterrada, mas é a mais necessária. Talvez vocês não saibam. O sistema de abastecimento d´água de Fortaleza tem três açudes que eu construi: Riachão, Pacoti e Gavião. Depois acresceram o Pacajus. Se não existissem esses açudes, como essa água ia chegar aqui? Tinha um açudezinho, o Acarape. Fizemos a obra, com ajuda do presidente, e saiu muito bem.

OP – O senhor ainda está na política...
Adauto
– Em cargo eletivo, isso eu apaguei. Meu partido hoje é a caridade. Talvez vocês não saibam. Lá em Juazeiro tem um Centro do Ancião. Para pobres velhos que viviam perambulando, pedindo esmola. Foi trabalho mais do Humberto. São 192 leitos. Com jardim, restaurante, serviço, médico, a parte espiritual com um padre dirigindo. Vale a pena. Não tem um governo que tenha aquilo. Tudo feito à nossa custa. Quando a gente chega lá batem palma. Não são as palmas, é a alegria que eles transmitem. Poderiam estar passando fome, pedindo esmola, e estão todos abrigados. E não são presos, eles têm permissão para sair e voltar. É uma casa para eles.

OP – Quando um político é respeitado nacionalmente, conquista muito poder, mas chega numa eleição e perde, qual é a sensação da derrota?
Adauto
– Olhe, eu sempre tive uma vida pensando no melhor e também no pior. Sabendo subir a escada degrau por degrau, e sabendo que depois do último degrau você tem que descer. Aí você não se decepciona com nada. Ninguém se perpetua no poder, porque ele é transitório. Senão nunca haveria alternância. Se eu sou eterno, e os outros, que também querem oportunidade? Tem que saber a hora certa. Quando a gente não sabe a hora, o próprio tempo se encarrega de dizer. Eu tive 32 anos de mandato, deputado federal, estadual, governador e vice-governador. Dei a minha cota. Outro veio. Veio o Tasso. E faço justiça: até a minha época, a política era mais de clientelismo.

OP – O senhor aceita essa crítica?
Adauto
– Eu fiz, eu fiz. É autocrítica. Agora vamos raciocinar. Você é um prefeito, mora a 400 km, chega a Fortaleza e quer falar com o governador. Pediu audiência? Não. É barrado e não entra. Mas é prefeito, vai atender a comunidade dele, ao município. Não pode, “procure o secretário fulano”. Eu nunca fiz isso, mandava entrar. Podia atrasar, ficava esperando, mas eu atendia. Ele nunca vinha só, com dois ou três vereadores, para mostrar que tinha prestígio e que o governador iria atendê-lo. E todos pediam um empregozinho. Era a professora, o delegado, servente, vigia, essas coisas. Sempre atendia todos eles. O Tasso fez uma inovação. “Eu sou administrador, cada prefeito cuide de sua administração e eu vou fazer a minha”. Ficou meio distante. Se isolou. Não sei se é temperamento. O meu, gosto de estar no meio do povo. Mas sei que ele dispõe de mais tempo para trabalhar, produzir. Mas a equipe tá pra isso. Vamos reconhecer, ele foi um bom governador. Foi um bom senador. Não posso deixar de reconhecer.

OP – O senhor votou nele?
Adauto
– A minha idade... (Risos) Eu fui dispensado.

OP – Mas o senhor nunca votou nele?
Adauto
– Não. Era outro partido.

OP – O senhor pensa que esse era o momento de Tasso ter sido alijado de um cargo público?
Adauto
– Não. Acho que ele é muito jovem para dizer “vou desistir, não quero mais, vou cuidar dos meus netos”. Eu não diria isso. Ele pode aparecer de novo na crista da onda e voltar ser governador, voltar a ser senador. Pra que dizer isso?

OP – O senhor acha que ele disse isso por mágoa, chateação, foi só o momento? Por essa derrota ainda está borbulhando na cabeça dele?
Adauto
– Ele começou com 60 e poucos por cento e caiu, seguiu numa linha de descida. O que foi? É que ele sempre foi muito ligado aos irmãos Ferreira Gomes. E no final os dois não votaram nele. Deve ter ficado com algum ressentimento. O próprio Lúcio também, que poderia estar unido. Mas isso é um direito de todos. Ninguém quer ficar subordinado a vida inteira, debaixo da árvore. Quer sol, quer ter autonomia. Isso é natural da política, de toda vida, de todo ramo de atividade.

OP – O senhor não considera traição política?
Adauto
– Não. Mesmo porque conversavam bem, foi tudo aberto. A previsão que se tinha é que o Cid e o Ciro iriam apoiar o Tasso. E o outro seria o Eunício. Pelo que se comenta a vontade do presidente era outra e prevaleceu a vontade do presidente.

OP – O Tasso perdeu para o presidente Lula?
Adauto
– Foi.

OP – É histórico na política do Ceará quando o Gonzaga Mota passa para o outro lado e resolve apoiar o Tasso. Seria uma situação similar à de hoje?
Adauto
– Olhe, eu era o vice-governador e disse muitas vezes “Gonzaga Mota, você é governador porque o Virgílio indicou o seu nome. A força era dele”. “Mas Adauto, eu quero ter meu partido, quero ser um chefe político também”. “É um direito seu, mas não dá para você conviver sem rompimento?”. “Mas o Virgílio não me dá espaço”. “Fique à vontade, eu fico com o Virgílio porque comecei com ele e vou começar com ele”. “Mas Adauto, poderíamos ficar nós dois”. “Não, se você quiser ficar, vamos ficar os três”. Ele dizia: “eu faço todo acordo com você, não quero é com o Virgílio no meio”. “Então você não me terá porque não vou abandonar o Virgílio”. Meu pai começou com o pai do Virgílio, eu comecei com o Virgílio, por que eu iria largar esse homem? Não havia perigo. Eu sou muito conservador de minhas amizades. Dizem pra gente: “vocês estão ganhando muito dinheiro”. Graças a Deus, mas o meu ganho mesmo são os amigos que tenho feito na vida. Vou dar um exemplo. A pessoa que tenho veneração mesmo, e rezo pra ela, Albanisa Sarasate. Porque ela foi amiga a vida inteira. O Paulo, meio estabanado, homem inteligentíssimo, puro, honesto a toda prova, trabalhador como ninguém, mas inquieto. Mexia com tudo.

OP – Eu queria só voltar ao assunto do atual momento político. Que leitura o senhor faz desse cenário, onde está se consolidando um grupo muito forte politicamente, que é o dos Ferreira Gomes. Eles tinham ascensão nacional e agora está até maior. E houve essa substituição do Tasso, que ainda tem um grande patrimônio político, apesar de ter sido derrotado nas urnas. Como vê isso tudo acontecendo, o senhor, que foi derrotado por quem está sendo derrotado agora?
Adauto
– O pessoal diz que o ciclo de poder não ultrapassa 20 anos. Quando se chega aos 20 anos de poder, tem 20 anos de realizações. Não passou 20 anos de graça, porque foi julgado por 20 anos. Aí chegou a época de não ser mais reeleito. Acabou a sua vida política aí? Não. As obras vão falar. O que fez e executou como administrador vão dizer quem foi, no primeiro governo, segundo governo, no Senado. É a obra dele. Para mim, o maior presidente que esse país teve foi o Juscelino Kubitschek. A obra dele desapareceu? A obra dele, Brasília, não é viva? Não fala? Você vai viver das obras, do seu passado, das benfeitorias que fez. Tasso não é um homem para voltar a ser enclausurado. Não. O que faltou a ele? Comunicação.

OP – O senhor chegou a manter contato com o Tasso, mais recentemente?
Adauto
– Não telefonei porque poderia até pensar “o Adauto me telefonar na hora da minha derrota?”, “será que é vingança do Adauto dizer isso, porque eu o derrotei?”. Não se trata disso. Olha o que eu falei, grande governador, grande senador. Acho que não era a hora da substituição dele. Ele ainda tem muito o que fazer. Chegou a hora de descer a escada.

OP – E o que o senhor acha desse grupo que está subindo?
Adauto
– Peço a Deus que os dois novos senadores (José Pimentel e Eunício Oliveira, eleitos) se comportem muito bem, que pelo menos cheguem ao que o Tasso chegou. Não é por ter sido oposição, é por ter representado muito bem o Estado. Na mão do Tasso o Estado estava muito bem. Às vezes tem um que se elege e não leva a sério a responsabilidade que deve ter no Senado da República. Ou deputado do povo na Câmara. Mas faço votos que os dois se saiam muito bem. E o Cid, eu digo a vocês, ninguém melhor do que ele para governar o Estado atualmente. Preparado, inteligente, uma pessoa que não é de muita comunicação, ouve muito e fala muito pouco. Mas decide. Você entra na sala dele e tudo ele acompanha pela Internet. Todas as obras, andamento. Competente. Toda obra ele sabe detalhe por detalhe.

OP – Se o senhor tivesse votado nessa eleição, teria sido nele?
Adauto
– Com toda certeza. Quer ver o telegrama que eu mandei pra ele? (Pede à secretária que traga o telegrama. Quando o gravador é religado, começa contando uma história ocorrida em sua sala). Veio um deputado aqui, tive pena dele. Ô baixinho pra trabalhar.

OP – Quem é?
Adauto
– Heitor Férrer (deputado estadual reeleito, do PDT). Esse rapaz chegou aqui com um pacotinho de santinhos na mão. Um por um entregando. “Mas Heitor, o que é isso?”. “Minha campanha é essa, não tenho dinheiro, não tenho nada. Tudo que consegui até agora foram R$ 12 mil. Aí fui e dei uma ajuda pra ele. Esse menino pulou (levanta as mãos), “coronel, o senhor me salvou”. Ainda ontem ele esteve aqui, mas é um rapaz sério, um bom deputado. Ele é de oposição, mas não é por oposição. Ele dá o fato.

OP – Quem mais o senhor ajudou nessa eleição, coronel?
Adauto
- O meu sobrinho José Arnon (deputado federal reeleito, do PTB).

OP – O Cid veio pedir ajuda?
Adauto
– Não.

OP – O Lúcio Alcântara veio?
Adauto
– Estou meio distante dele. Não veio, não.

OP – O Marcos Cals também nem apareceu?
Adauto
– Quero muito bem àquele rapaz.

OP – O senhor o viu ainda pequeno.
Adauto
– Sim. Deveria ter sido preparado para ser o candidato, mas o pegaram de última hora e jogaram dentro do rio que só tinha piranha. (Exibe o telegrama enviado a três candidatos e pede que seja lido).

OP – (O primeiro foi endereçado a Cid Gomes) “Sua reeleição é fruto de um trabalho feito com inteligência, espírito público, honestidade e competência. Parabéns”. (O segundo foi para Heitor Férrer) “Mais uma vez seu trabalho é reconhecido pelo povo que você representa com seriedade, espírito público, honestidade e competência. Parabéns”. (O terceiro, para Tin Gomes, vice-prefeito de Fortaleza, eleito deputado estadual, do PHS). “Faço votos que seu espelho na Assembleia seja meu grande amigo João Frederico”.
Adauto – Era o pai dele, foi meu colega deputado e era um grande deputado. É isso. Puxei saco de alguém aqui?

OP – O senhor disse que não ligou para o Tasso porque poderia soar como indelicadeza ou ser mal interpretado. Quando o senhor foi acusado de fazer parte das “forças do atraso” (na campanha para o governo, em 1986), como se sentiu?
Adauto – Era o Ciro, era o mais cáustico sobre isso. O Tasso também usou. Eu aguardei.

OP – O senhor preferiu ouvir calado?
Adauto – Eu aguardei (faz uma pausa) e esperei o tempo passar. Mas um dia, lá no meu apartamento, chega lá o Ciro. Foi pedir para eu fazer parte do apoio ao irmão dele, o Cid. “Vou apoiar”. Na primeira eleição do Cid (ao governo estadual, em 2006).

OP – Qual foi sua reação?
Adauto – “Vou apoiar, vou trabalhar. Rapaz muito bom”. E trabalhei muito.

OP – Essa foi a resposta que o senhor deu?
Adauto – “Vou trabalhar”. Eu não guardo ressentimento de nada. A vida é curta, você tem que pensar no melhor, fazer o bem. Vou ficar com rancor e ódio? Aquilo faz mal a mim.

OP – O senhor deixou de ajudar alguém que o tenha criticado?
Adauto – Nunca entrou uma pessoa aqui para dizer “coronel, me dê uma ajuda para comprar um remédio”, e eu não dar. Quer saber quantas pessoas eu abasteço com remédio? (Volta a chamar a secretária). Chega doente, pra fazer cirurgia, comprar remédio, mas eu dou o remédio. Não dou o dinheiro. Chegam pessoas que todo mês a gente dá remédio pra elas. (Pergunta para sua secretária, Tercimar) É você que compra?
Tercimar – Sou eu que compro. E o senhor que paga (risos).

OP – Quantas pessoas recebem?
Adauto – Tem um bocado, não tem?
Tercimar – No mínimo quatro semanalmente.

OP – E essa lista se renova?
Tercimar – Sim.
Adauto – Tem até mulher de deputado. (Cita alguns nomes). Esses são os rotineiros.

OP – Tem os avulsos?
Adauto – É, mensalidade mesmo. Porque se a gente não der, morrem. Todos são casos de câncer.
Tercimar – Vêm pedidos de ajuda, de gás, passagens...

OP – Parece que o senhor ainda não deixou de ser governador?
Adauto – (Risos) Não. A minha sala é cheia toda vida?
Tercimar – Constantemente. Agenda, então, lotada.

OP – Essa rotina de entra e sai aqui no seu gabinete, mesmo após o senhor ter deixado os cargos eletivos, ela continua?
Adauto
– Vocês quando entraram aqui encontraram a porta aberta ou fechada?

OP – Todas abertas (Após a antessala com a secretária, passa-se por um corredor e mais duas portas até chegar à sala dele).
Adauto
– Quem foi que fechou? (Risos, porque a porta foi fechada a pedido dos repórteres e o telefone desligado para que a entrevista pudesse transcorrer sem interrupções). Eu nunca fechei porta aqui para ninguém. Eu quero ela aberta. Se está assim é porque estou dizendo “pode entrar”. Não vou deixar de atender a uma pessoa que me procura, nunca. Se é pra me dar alguma coisa, é muito difícil. Até briga de casais, que sempre acontecem, eles vêm aqui.

OP – Quando o senhor encontrou com o Ciro, que lhe pediu apoio na primeira eleição do Cid para governador, o senhor lembrou a ele que tinha sido chamado de força do atraso? Ou ele próprio chegou a pedir desculpas ao senhor?
Adauto
– Não, nunca pediu desculpas.

OP – Nem o senhor mencionou?
Adauto
– Para mim o assunto nunca existiu. O assunto que ele levou lá era eu apoiar o irmão dele.

OP – Mas como o senhor se sentiu tempos depois, pessoalmente falando, quando ele foi lhe pedir esse apoio?
Adauto
– Eu acho que uma pessoa quando procura a outra é porque está precisando. Quando alguém vai pedir, tenha cuidado para não negar. Porque além da pessoa estar humilde por ter que estender a mão, se você não der a mão, maltrata, fere. Aperte a mão. O que puder fazer, faça. Se não puder, acabou.

OP – Teve algum momento em que o senhor teve vontade, não só nesse episódio mas qualquer outro, de revidar, com esse ou aquele político?
Adauto
– A única coisa que eu e meu irmão temos um pouco de diferença é o temperamento. Ele me chama de “irmã Paula”, porque tudo que vem aqui eu procuro ajudar. Ele não. Eu não fui atrás dele, ele veio à minha procura, vamos ter um espírito mais elevado.

OP – Como foi especificamente a ajuda dada ao Cid Gomes?
Adauto
– Foi para apoiar no Cariri, na eleição dele. Tinha muita gente perguntando “quem é o nosso candidato?”. Aí eu viajei, peguei um aviãozinho, visitei toda a região do Cariri.

OP – Ele agradeceu depois?
Adauto
– Ele sempre me trata muito bem. Eu é que nunca fui pedir nada. Não há necessidade nenhuma.

OP – Mas vieram pedir para o senhor ir ao governador para indicar secretário em tal lugar?
Adauto
– Não. Cargo é do governador. O que eu posso dizer que é bom pode ser o pior. Eu? Jamais.

OP – Quando Lúcio Alcântara foi eleito, disseram que o senhor indicou alguns secretários. Como na pasta da Segurança. Isso foi verdade?
Adauto
– Quando fui apoiar o Lúcio lá no Palácio, Tasso era o governador e Lúcio candidato, fizemos uma convenção. “E você, Adauto, tem alguma pretensão?”. “Não tenho nenhuma pretensão. Gostaria apenas que o doutor Lúcio, na época que fosse para indicar ou nomear os seus auxiliares, por uma questão de cortesia, me dissesse, para eu não ter que tomar conhecimento apenas pelos jornais”. Quando saíram os dois ou três primeiros nos jornais, eu toquei o telefone e disse “Tasso, aquele compromisso não está sendo cumprido”. “É, Adauto, realmente saíram três. Mas não se preocupe que ele vai lá”. Quando foi à noite, o Lúcio chegou no meu apartamento. Eu estava com o Luís Marques (ex-diretor do Dnocs – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas)) e o Humberto. “É, Adauto, realmente era pra dizer...”. Aí ele disse, depois: “Adauto, avise por favor ao coronel Evânio Guedes que eu quero falar com ele, que possivelmente ele vá para a Justiça”. Mas não foi indicação minha, não foi pedido meu. Eu transmiti o recado para o Evânio. (Posteriormente, Evânio Guedes, que também era promotor, foi confirmado como secretário da Justiça do governo Lúcio.) Nunca indiquei nem servente, ninguém.

OP - Como o senhor avalia hoje o que foi o governo Lúcio?
Adauto
– O Lúcio? (Pausa) É o seguinte: o Lúcio, ele é inteligente. Como senador, bem melhor do que como governador. Porque governador tem que ter decisão. Certo ou errado, quem decide é o governador. O Lúcio é mais “vamos deixar, vamos ver, se for possível a gente faz”. Não é o meu sistema. Posso, não posso; faço, não faço. O Tasso é muito mais executivo do que ele. O Cid é muito mais executivo.

OP – Foi por isso que Lúcio não conseguiu se reeleger na eleição passada e nesta terminou no terceiro lugar?
Adauto
– Pode ter sido. Porque o eleitor, como subordinado, prefere o chefe forte. Para mim, um exemplo de homem forte, general Geisel. Aquele não tinha conversa fiada, tapinha no ombro. Isso posso, aqui não posso, tenho, não tenho. Acabou-se. Era decidido.

OP – E dos outros presidentes que o senhor conviveu, como eram?
Adauto
– Eu só convivi com o Geisel.

OP – Os outros foram mais visitas?
Adauto
– É. Convivi com o (Fernando) Collor, também. Ele tinha muita decisão.

OP – (José) Sarney?
Adauto
– Não. Ele foi meu colega no Congresso. No governo Collor, eu era da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste).

OP – E como o senhor viu a Era Lula, agora que estamos na fase de transição para um novo governo?
Adauto
– O Lula foi e é um bom presidente. O Lula fez a estabilidade econômica do País. O Lula fez com que o empresário pudesse trabalhar com mais tranqüilidade. Os bancos do Nordeste e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) puderam injetar mais recursos gerando mais riqueza e mais emprego. Ninguém pode negar, foi um bom presidente. Ah, ele bonachão? Era bonachão, mas nunca prejudicou ninguém. Alguns auxiliares dele, com o conhecimento dele ou não, fizeram algumas coisas erradas e foram punidos. O pessoal do mensalão, José Dirceu, Erenice (Guerra, ambos ex-ministros da Casa Civil afastados após denúncias envolvendo auxiliares ou familiares em tráfico de influência na pasta). Quem tem uma gama enorme de obras, de pessoas diferentes indicadas por partidos diferentes, o presidente não pode tomar conhecimento de tudo isso. A responsabilidade maior é de quem indica. Acho o Lula um bom governo. Acho o Lula um bom governo.

OP – Quais são seus afazeres, normalmente?
Adauto
– Às sete e meia estou na Santa Casa. Às 9h30min aqui (na sede do Bic Banco). Saio ao meio-dia. Vou pra casa almoçar. Tenho uma cadeira lá. Se deitar na cama, durmo, então fico na cadeira conversando com a mulher. Às duas, volto e dou o segundo expediente aqui. Às cinco e meia, a massagista vai lá ou vou na academia. Ou então vou caminhar.

OP – O senhor caminha na Beira Mar?
Adauto
– Beira Mar. Mas não levo segurança comigo, não.

OP – Vai só?
Adauto
– Vou. Quem quiser pegar um velho de 84 anos pode vir. Eu não vou correr (risos). Só vou pedir “não precisa me bater, o que você quer...”.

OP – A prevenção sempre existe?
Adauto
– Sempre existe, mas ali tem muita gente. Não vão pegar gente ali, não.

OP – O senhor tem medo da sensação de insegurança?
Adauto
– Tenho medo pelas crianças. Levar um velho, eles têm medo. Vai morrer, vai dar trabalho de enterrar. Mas com uma criança tenho medo.

OP – O senhor não tem medo de ser sequestrado?
Adauto
– Eu? De jeito nenhum.

OP – Há os que têm medo pelo senhor?
Adauto
– É (risos). Não adianta, querendo sequestrar não há quem evite. Sabe o que eu tenho pavor? Se eu pudesse baixar um decreto, uma lei, para evitar as algemas. Acho a maior humilhação botar algemas numa mulher.

OP – Vamos mudar de assunto, mas voltando ao tema política. O que o senhor achou da Lei da Ficha Limpa?
Adauto
– A Ficha Limpa é muito boa, mas como ela foi feita sou contra. Chega ao ponto de permitir que o candidato ficha suja registre. Permite que ele compareça às eleições. Permite que os votos dele sejam apurados. Para depois esperar ainda ser julgado. Não tá direito. Se não pode, não pode. Tira. Não está correto. Depois de eleito ser condenado? Por que deixaram se eleger?

OP – O senhor tem filhos já adultos, tem netos, e tem também um filho criança, de nove anos. Como o senhor compara a criação de seus primeiros filhos e de seu filho mais novo? Como compara os dois momentos de pai?
Adauto
- Os mais antigos, eu cometi um erro grande, porque me dediquei demais à política e esqueci um pouco a criação deles. Foi mais a mãe. Eu vivia mais preocupado em atuar na política, até para conseguir mais nome e projeção, mas não dei aquela assistência pessoal que a mãe dá. Com esse agora, não. Ele é muito ligado a mim. Tem nove anos, está nos Estados Unidos. A primeira coisa que diz quando chega é “papai, fazer a tarefa”. E faz toda. Ele viajou e, para cada dia, ele deixou uma mensagem pra mim. No café da manhã está lá a mensagem dele. Não é bom?

OP – O senhor se sente bem tendo sido pai já na terceira idade?
Adauto
– É um atestado vivo que tenho para mostrar que ainda estou firme (risos).

OP – Já que o senhor entrou nesse assunto, coronel, então diga como é o envelhecer?
Adauto
– Ninguém envelhece. A cabeça é que... quando ela sai de órbita, tá na hora de você viajar. A cabeça sendo boa, raciocinando bem, tudo você faz. Dá para se sentir jovem.

OP – O senhor se sente com qual idade?
Adauto
– Eu tenho a idade que o povo me dá, 65, 68... Eu vou a uma festa, danço como ninguém. Pega a mulher pra lá, pra cá, ela gira, batem palma. Muito obrigado. Todo casamento tem uma dançazinha pelo meio. Eu tô lá.

OP – O senhor bebe ou fuma?
Adauto
– Não bebo nem fumo. Fiz um esforço danado pra aprender a fumar, mas não houve jeito. Dava uma puxada... (simula uma tosse). A gente vai levando, o tempo passando, não sinto nada. Quase morri. Fiz uma cirurgia, aí eu tive medo.

OP – Cirurgia de quê?
Adauto
– Fui às bodas de ouro do Ivens Dias Branco (empresário). Ele lá serviu um vinho muito bom. Eu talvez tenha exagerado no vinho. Fui dormir, duas da manhã e acordei com isso (descreve uma palpitação cardíaca mais acelerada). Eu disse, “Silvana (mulher), abra a janela que estou com mal estar, não tô me sentindo bem”. Ela abriu e continuei. Sempre tenho aparelho de medir pressão em casa e aqui. Ela mediu e disse “acho que está quebrado”. Não estava. Eu mesmo tirei e pá pá pá (apontando para o coração). Ligue para o doutor Cabeto (cardiologista Carlos Roberto Martins Rodrigues). Ele atendeu, contei e ele disse “venha aqui para o hospital Monte Klinikum que já estou esperando”. Cheguei, fez eletrocardiograma, e disse que eu tinha o átrio muito acelerado, “vai ficar na UTI”. Quando foi sete da manhã, fez um cateterismo. Disse “você está 98% entupido no braço direito e 75% no braço esquerdo. O senhor não pode mais sair do hospital”.

OP – Quando foi isso?
Adauto
– Há dois anos. No dia 16 de outubro. “Você não vai poder sair. Vai ter que operar”. Manda chamar o Cabeto. “Cabeto, vamos pra São Paulo?”. Ele disse que eu não podia sair daqui porque na viagem de avião, eu não suportaria. E a UTI no ar? “Mas lá só tem oxigênio. Numa emergência não tem socorro”. Eu disse “pois convide um cirurgião de lá da sua confiança para me operar aqui”. Ele manteve contato com dois hospitais, mas os médicos disseram que não viriam ao Ceará porque não sabiam se os hospitais daqui teriam a segurança (suporte) de infraestrutura numa emergência para poder socorrer. E só operavam no hospital deles e com a equipe deles. Então decidi pelo Glauco Lobo. O doutor Glauco estava em Paris. Foi mantido o contato e o Glauco disse “vou imediatamente, vou pegar um avião”. Nesse período de espera você apavora um pouco. Aí eu disse “Cabeto, eu queria ir lá em casa, queria escrever”. Tinha papel e caneta, escrevi lá mesmo. “Eu queria fazer um testamento”. “Não tem problema, chama o cartório”.

OP – O senhor teve medo de morrer?
Adauto
– Ora, mas... Foi o (pessoal do) Cartório Machado. Chegou lá, eu disse o que queria. Mas o doutor Elias Boutala, meu médico há muitos anos, estava escorado na parede... e eu disse, “eita diabo”. Eu disse “Cabeto, queria fazer dois pedidos. Eu não queria ver ninguém. Já quero ir dopado, não quero sentir nada”. Entrei na sala (de cirurgia) com a venda nos olhos. Passei lá cinco horas. Quando abri os olhos, a médica puxou (a venda), eu não senti nada, nada. Eu botei uma (ponte) mamária e uma safena.

OP – Coronel, o senhor quer ser lembrado como?
Adauto
– Eu queria que sobre meu passado dissessem que o Adauto foi um homem bom, bom marido, bom pai, bom avô, bom amigo. Fez o que pôde, o que gostava, ajudou os que precisavam dele. Pra mim já tá bom.

OP – O senhor chega a escrever o que fez e faz, suas memórias?
Adauto
– Vou dar um livro para você se distrair (Pega livros sobre a vida dele, um escrito pelo jornalista Themístocles de Castro e Silva, de 2001, e outro pelo jornalista e escritor Elcias Lustosa, de 2007).

OP – Mas o senhor tem algo que escreveu de sua própria biografia?
Adauto
– Tenho não. (Risos) Às vezes eu penso: o que vou dizer? Começava a recordar o Juazeiro, o tempo de criança, tomando banho no rio Salgadinho. O rio é a grande piscina democrática que vi na minha vida. Todos que chegavam tinham direito de mergulhar. Se chovia, a água vinha barrenta. O que tinha lá era aquele rio. Lembro muito. A escola, a primeira professora. Juazeiro não tinha um ginásio. Eu passei três anos interno no ginásio do Crato. Só vinha nas férias de meio de ano e fim de ano. Depois, Fortaleza, Colégio Cearense, uma vez por ano. Escola de Cadete, também só uma vez por ano ia em casa. Escola Militar, em dezembro. Depois Rio Grande do Sul, fronteira com a Argentina. Recife, Rio de Janeiro, Fortaleza...

OP – O Padre Cícero entra na sua história, o senhor ainda menino?
Adauto
– O Padre Cícero, lembro que quando ele morreu, eu e o Humberto estávamos na casa de um morador. As mulheres iam passando e chorando, “ai, o mundo vai se acabar, meu padim Ciço morreu, o mundo vai se acabar”. Eu saí com o Humberto correndo pela estrada com medo de que o mundo fosse acabar. Aí minha mãe nos encontrou, “o que é isso, menino?”. “O mundo vai se acabar”. “Deixa disso, menino” (risos).

OP – O senhor tinha que idade?
Adauto
– Em 1934, eu tinha oito anos.

OP – O pai do senhor era amigo dele?
Adauto – Muito amigo mesmo. (Pausa) Mas pode perguntar (risos, mostrando a disposição de estender a entrevista).

OP – O que a gente não perguntou que o senhor acha que deveria ter sido perguntado?
Adauto – Esta é uma pergunta muito boa (risos). O que eu me esqueci? (mais risos) Olha, a vida é muito curta. Você pensa que 84 anos... eles se passaram sem eu sentir que passaram. E o que me resta é muito pouco, então... olhe para o vizinho, veja o que pode estar faltando, dê uma ajuda. Se ele caiu, dê a mão. Nossa mesa tem tudo, a dele pode não ter nada, então porque não vou dar um pouco da comida pra ele? Humildade. Ninguém pode ser arrogante, prepotente. Porque as coisas acontecem. Quando você menos espera pode estar em cima de uma cama, desenganado, a qualquer hora pode desaparecer e o que você leva? Será que leva? A vida termina aqui? E a outra? Fernando Pessoa já dizia: a vida é uma grande reta, mas lá na frente é uma curva. O corpo fica na curva e o espírito continua. Para onde é que vai?

OP – O senhor tem medo de viajar nessa curva?
Adauto
– Não tenho porque sei que tenho que ir mesmo. O que peço a Deus é para não ser aquele doente prostrado, que viva na mão dos outros, dando trabalho. Se for, acabou. Às vezes eu penso em ser cremado, não sei pra quê enterro.

OP – O senhor se sente privilegiado?
Adauto – Todos temos uma missão a cumprir. E um dia vai. Você não sabe qual é o seu dia. Qual é a previsão de vida hoje em dia? Setenta e poucos anos. Eu já tenho uma sobra grande. Mas acho que dá para chegar aos 88, 90, acho que ainda chego.

OP – Qual o melhor governador do Ceará?
Adauto – O melhor em todos os tempos foi Virgílio Távora. Isso marca. Era competente, inteligente, trabalhador, honesto, mas de uma antipatia a toda prova.

OP – Há o folclore que o senhor e ele tinham rusgas nos bastidores.
Adauto – Não, nunca briguei com ele.

OP – Mas tinha alguma faísca?
Adauto
– Ele tinha ciúmes. O Virgílio não admitia ninguém crescer. Ele gostava que todo mundo ficasse ali bajulando, dizendo que ele era maior, que ele tinha um metro e 90 (centímetros). Porcaria deste tamanho (risos). Não é por aí. Ele tinha tanta confiança em mim... Uma vez dona Luíza (Távora, ex-primeira dama) foi muito irreverente. Como vocês chamam aquela roupa que bota por cima do pijama, da camisola?

OP – Robe?
Adauto
– Ela gritou: “por que fecham a porta? Que direito vocês têm? Escondido aí pra quê?” (simula um grito dela. Em seguida imita a voz grave e lenta de Virgílio) “Luíza?” Sabe por que ele fechou a porta? Já estava com câncer. Era para me pedir: “Adauto, não sei quanto tempo, mas queria que você cuidasse do Carlos Virgílio. Ele está exagerando” (Era o filho de VT, ex-deputado federal, que morreu em 19 de novembro de 2000, em Teresina).

OP – Coronel, tenho curiosidade num assunto bastante delicado para sua família.
Adauto – Não, tudo bem.

OP – É a sobre a morte de sua sobrinha Ana Amélia (executiva assassinada no Paraguai, em agosto de 2002). O episódio foi fatalidade, foi tentativa de sequestro, foi armação? Houve algo mais além do que veio a público?
Adauto
– As Polícias do Paraguai e daqui apuraram. Mas chegaram à conclusão que quiseram parar o carro para roubar. Tentativa de assalto. Quando meteram o tiro, era para o carro parar e fazer o assalto, mas acertou a menina.

OP – A família mesmo aceitou como fatalidade?
Adauto
– Fatalidade.

OP – A família contratou alguém para investigar lá?
Adauto
– Se tem sabido quem era, cabôco tinha morrido. Tinha. Trazia pra cá, ia fazer o enterro bonito dele.

OP – Foi um caso muito rumoroso.
Adauto – Ela foi ao Paraguai em missão de negócio. Era diretora da têxtil na parte de confecção.

OP – A Secretaria de Segurança chegou a dizer alguma vez que o senhor estava em lista de seqüestrável?
Adauto
– Eu? (risos) A Polícia Federal pegou uma gravação entre pistoleiros. Um dizia pro outro: “Ninguém vai se meter com os coronéis. Porque eles são bons e não tem problema nenhum. Ninguém pode mexer lá com eles”. Foi a notícia que me chegou.

OP – Alguém pensou em sequestro, mas outro também descartou logo.
Adauto
– Eu sou muito amigo do Mainha (Ildefonso Maia Cunha, condenado por homicídios no Ceará, que hoje cumpre pena em regime aberto). Muito amigo, não, eu conheço o Mainha. Nos apertos ele vem aqui.

OP – Vem aqui?
Adauto
– Vem aqui ou vai em Guaramiranga. Ou manda a mulher. Não é muito melhor se ter uma fonte de informação como o Mainha, do que ter um inimigo como o Mainha? Sabe como ele se identifica (à secretária)? Professor Diógenes.

OP – Coronel Gondim (Francisco Gondim, ex-chefe do Comando de Operações Especiais – COE – da PM) vem aqui?
Adauto
– Não, eu que vou lá. Sabe de tudo, tudo. Tudo o homem sabe. Um dia um motorista chegou pedindo aumento. Aí uma mulher telefona pra cá: “Avisa aos coronéis para que aumentem a segurança”. Aí, aumenta segurança. De onde veio o telefonema? Foi do North Shopping. A hora? 10h15min. Passa a fita. Uma loura. Quando chegou, era a mulher do fulano (motorista). Fui dar as contas dele e disse “não faça isso, não”.

OP - Um grande nó do governo é a questão da segurança pública, que não consegue se desenrolar. Como o senhor avalia o problema? E qual perfil o senhor que deva ter o novo secretário da Segurança Pública (com a saída já anunciada do atual, Roberto Monteiro, no fim deste ano)?
Adauto – Acho que a polícia tem que ter mais poder para poder combater. Mas a Polícia indecisa, com medo, aí você não conta. Um homem amedrontado não prende ninguém. O delegado tem que ter poder. Se ele cometer excesso, que pague. A Polícia tem que ser forte, para ser temida. E sendo temida, ela é respeitada. Polícia fraca é convite à baderna. O nosso secretário é um rapaz inteligente, mas me parece muito teórico. Ele deve ter um belo assessor. Mas bandido é bandido. Para ser o novo secretário, eu botaria sempre uma pessoa de fora, do Exército, Marinha ou Aeronáutica. Para ter autonomia aqui com a Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros. Se você tira de um, os outros dois ficam insatisfeitos.

OP – Coronel, o senhor está investindo na fundação do museu da Família Bezerra, em Juazeiro. Já tem data marcada?
Adauto – É o presente que vou dar a Juazeiro no centenário (da cidade, que se completa ano que vem). No dia 22 de julho será inaugurado. O museólogo é André Scarlazzari. Tem um arquiteto. Dois historiadores, Renato Casimiro e Daniel Walker. E tem uma controladora, que é funcionária nossa de São Paulo. Será um museu aberto ao público. É para contar a história desde o Tabuleiro Grande, que é dos meus antepassados, até os três pés de Juazeiro, o lugar onde os tropeiros usavam como ponto de parada. Vem a capela, Padre Cícero... Será na Praça Padre Cícero, uma casa nossa, grande.

O POVO – O senhor tem feito caridade?
Adauto
- Hoje tenho três atividades que me tomam o dia. Começo na Santa Casa. Às 7h30min eu tô lá. Todo dia. Na Santa Casa eu sou o mordomo (gestor das contas). A parte de enfermaria, doente, gente que chega de cirurgia, UTI, doente, tudo é comigo. Segundo, é aos sábados e domingos. Eu tenho um centro de tratamento de dependentes químicos. É no limite entre Messejana e Eusébio. Comprei duas quadras, fiz as casinhas, tem piscina, área de exercícios, médico, fisioterapeuta, tem tudo.

OP - Quantos atende?
Adauto
- São 45. Às vezes muda pra mais. O principal é o crack. É o que derruba, chega lá já no final, terminal. Chega, bota pra dormir, desintoxicar, 45 dias, começam a andar, exercícios, suar, correr.

OP - Por que o senhor decidiu fazer isso?
Adauto
- Porque eu já tenho 84 anos. O que me resta é bem pouquinho. Se eu não fizer isso, o que eu deixo aqui? O projeto já tem 14 anos. Eu e o doutor Luis Teixeira. Era uma casa com três quartos, com área e nada mais. Depois vi não ser possível continuar vendo a mocidade no crack, em tudo. Começavam sempre com a maconha e o álcool, depois...

OP - E a Santa Casa, como está de finanças?
Adauto
- Graças a Deus, tá bem. Nós temos compromissos a pagar, mas dívidas atrasadas, nenhum centavo. Tudo pago.

OP - É mesmo? Limparam esse débito quando? Era uma dívida eterna.
Adauto
- Ela está saneada há um ano e oito meses. Reescalonamos a dívida em 50 pagamentos. Podíamos pagar isso. A Caixa Econômica concordou.

OP - Ainda tem ajuda pela conta de luz?
Adauto
- Tem. Há uma empresa no Espírito Santo que contratamos. Aí a ajuda já vem embutida na despesa do consumo de energia. Você autoriza qualquer valor. Isso nos dá por mês, R$ 510 mil, R$ 520 mil.

OP - Qual a despesa mensal da Santa Casa?
Adauto
- Só de pessoal dá uns R$ 700 mil.

OP - E o resto vocês cobrem como?
Adauto
- Tem o cemitério São João Batista, que dá uns R$ 90 mil, R$ 100 mil por mês. Tem doações. Essas mercadorias apreendidas, a gente recebe, vira leilão. Em cada caminhão, no leilão a gente apura R$ 1,2 milhão. Aí vai indo. E tem o SUS. Cada cirurgia, se é de alto risco é um pouco mais. Se é simples é quase nada.

OP - Quanto a Santa Casa está pagando de dívida parcelada?
Adauto
- Uns R$ 80 mil. Isso me enche tanto a vida.
 

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