sábado, 10 de agosto de 2013

Ah, nostalgia que não me deixa esquecer os velhos tempos tão bons!

Eu vivi num tempo em que não se era bombardeado diariamente com notícias revoltantes de corrupção. As autoridades simplesmente se apoderavam do patrimônio público e achavam um absurdo alguém questionar-lhes tal direito. E a população não sofria, porque nem imaginava como essas coisas aconteciam.
Nossas autoridades tinham a honra ilibada... Claro. Quem se atrevesse a criticá-los ia para a cadeia ou simplesmente morria. E a opinião pública não era agredida com notícias tão desagradáveis.
Como era bom, antes da Lei 8666, publicar editais de licitações com casuísmos que eliminavam todos os concorrentes indesejados, ficando tudo para os aliados do executivo.
E os prefeitos e governadores podiam governar tranquilamente, gastando no que lhes aprouvesse, sem a chatice de uma Lei de Responsabilidade Fiscal.
Que tempo bom aquele em que um presidente-general ia à televisão indignado quando a imprensa falava de corrupção de ministros! Como alguém poderia se atrever a criticar os indicados pelos militares?
Que saudades daquele tempo em que a gente podia passear tranqüilo à noite nas cidades, porque a mortalidade infantil, com índices astronômicos (até 360 por mil), impedia os marginais de crescerem! Bebês morrendo à míngua, sem nenhuma nota na imprensa não faziam ninguém sofrer, a não ser os pais e vizinhos. Hoje a maioria dessa multidão sobrevive, fica adulta e depois fica inchando as cidades, bagunçando nossa vida.
Como era lindo ignorar que os países satélites da União Soviética eram depósitos desprotegidos de lixo nuclear!
E aqueles deliciosos filmes que mostravam a face humanitária e divertida do imperialismo europeu e americano, enquanto os países mais pobres eram espoliados, com a total conivência de governos servis e autoridades venais!
E quanto aos índios? Nós éramos felizes e não sabíamos. Afinal de contas nem tínhamos notícia das populações inteiras que eram dizimadas.
E a saúde pública? Era muito bom saber que os hospitais eram apenas para os que contribuíam para os Institutos de aposentadorias e pensões.
E a violência contra a mulher? Ah! Como era bom maltratá-las impunemente, sem uma Lei Maria da Penha para complicar as coisas.
As escolas eram ambientes muito mais tranqüilos. Afinal de contas, só as minúsculas classes médias e superiores tinham acesso. Assim, você não tinha toda essa multidão de crianças pobres atrapalhando o estudo de seus filhos.
E aqueles ditadores românticos e cavalheirescos? Pol Pot, do Camboja, matando três milhões de traidores do khmer vermelho... Ceausescu, tentando converter toda a população romena em urbana, para matar todos os não latinos... Bangla Desh... o Congo, com seu líder Mobutu Sese Seko... Uganda, com seu adorável Idi Amin Dada... Burkina Faso, com seu napoleônico rei (até esqueci o nome)... Os trinta anos de benéfica guerra fratricida em Angola... Os adoráveis hutus de Ruanda, tentando destruir toda a intrusa população tutsi... Paremos por aqui... a saudade fica insuportável!
E quanto mais você recuar no passado, mais você lamenta a felicidade perdida. Pois aí é que a coisa era tranqüila para os grandes, que podiam matar impunemente e à luz do dia, mesmo nos países mais avançados.


Um comentário:

  1. Era o que estava faltando para eu mandar para uma porção de descontentes da vida, verdadeiros sacos sem fundo aos quais nada basta; eternos insatisfeitos com tudo! Muito obrigada!

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