Os dois primeiros humanos viviam nus no Jardim do Éden antes de pecarem e serem expulsos. O relato não informa se eles e seus descendentes teriam continuado ou não vivendo nus indefinidamente caso não tivessem pecado. Mas informa que, após o pecado deles e depois de proferir as sentenças, Deus lhes deu vestes longas, mais compridas do que as folhas de figueira que eles costuraram (Gênesis 2:25, 3:7, 10-11, 21).
Portanto, o Todo-Sábio concluiu que o ser humano decaído está melhor com roupas do que sem roupas. Os servos de Deus em todas as Escrituras vestiam-se apropriadamente. É um tanto superconfiante alguém afirmar que as pessoas ficam melhor vivendo nuas.
O ser humano é a única criatura que necessita usar roupa e essa é uma das muitas peculiaridades dele. As roupas protegem do ambiente, identificam as pessoas, contribuem para a estética e para o senso de dignidade e são uma questão de modéstia (Mateus 25:36, 1Coríntios 12:23, 2Reis 1:2, 5-8).
Como cristãos, não estamos debaixo da Lei de Moisés, mas podemos extrair lições dela. A Lei Mosaica proibia as pessoas de verem a nudez de parentes próximos (Levítico 18:6-18). O contexto indica que a proibição referia-se a mais do que meramente ver, que trata de ter relações sexuais incestuosas. Mas a expressão utilizada indica que há uma relação entre ver uma pessoa nua e sentir desejo de ter relações com ela, o que pode ser o primeiro passo para concretizar o ato (Tiago 1:14-15). O fato do neto de Noé (Canaã) ter visto seu avô dormindo nu lhe deu oportunidade e estímulo de fazer algo impróprio não especificado (Gênesis 9:20-27). Jesus ensinou que devemos evitar não apenas o pecado em si, mas até mesmo o que pode conduzir ao pecado.
Os sacerdotes pagãos às vezes serviam nus. A religião cananéia incluía prostituição sagrada em homenagem aos seus deuses, o que com certeza envolvia nudez parcial ou total. Em contraste, os sacerdotes judaicos tinham não apenas que estar bem vestidos, mas também utilizar calções por debaixo da roupa para evitar qualquer exposição indecente quando estivessem servindo no altar (Êxodo 28:42-43).
A nudez (parcial ou total), assim como a fome e a sede, são apresentadas como tribulações que Deus permitiria que os israelitas passassem se fossem desobedientes (Deuteronômio 28:48). O profeta Isaías andou três anos nu (provavelmente no sentido de precariamente vestido) para profetizar a calamidade sobre os egípcios e etíopes – Isaías 20:3-4. Quando um povo guerreava e vencia outro, era comum conduzir os prisioneiros vestidos de trapos ou nus.
O apóstolo Paulo sofreu de nudez em seu mistério, provavelmente no sentido de falta de roupas de qualidade. A Carta aos Hebreus menciona servos de Deus que sofreram o mesmo. Tiago escreveu que a fé em ação nos leva a ajudar irmãos que têm necessidade de roupas. Todas essas passagens apresentam a nudez ou roupas precárias como algo involuntário e desagradável, muitas vezes fruto de perseguição (1Coríntios 4:10-13, Hebreus 11:36-38, Tiago 2:15-16, Romanos 8:35, Isaías 58:6-7).
Apocalipse 16:15 diz que os cristãos devem tomar cuidado para não dormirem, pois se o fizerem perderão suas vestes e sua vergonha será exposta. O texto alude aos guardas do Templo de Jerusalém, que se fossem pegos dormindo sofriam essa punição. Claro que neste texto tanto o sono quanto as vestes são espirituais. Mas a analogia só tem força porque estar bem vestido é dignificante e estar sem roupa em público é humilhante (compare com Apocalipse 3:17-18, 7:14).
E não podemos nos esquecer dos dois gadarenos endemoninhados. Enquanto estavam sob o poder dos demônios, andavam ensandecidos e nus. Depois que Jesus os libertou, estavam ajuizados e vestidos (Mateus 8:28-34, Marcos 5:1-20, Lucas 8:26-39).
As Escrituras advertem os homens cristãos contra olhar com desejo para mulheres [vestidas] e exortam as mulheres cristãs a serem castas e modestas nas suas roupas (1Tm 2:9, Mt 5:28) Claro que os homens cristãos também devem usar roupas castas e modestas e as mulheres cristãs também devem evitar olhar com desejo para homens.
Agora pense bem: se com todos usando roupa nós já temos que nos empenhar para aplicar essas ordens, dá mesmo para acreditar que humanos imperfeitos (incluindo não-cristãos) conseguem exercer uma autodisciplina mental tão rigorosa e possuem um senso moral tão elevado a ponto de conseguirem estar na presença de pessoas do sexo oposto nuas sem jamais terem pensamentos libidinosos?
O otimismo dos nudistas é comovente, mas equivocado. Ninguém necessita praticar o nudismo e se expor aos seus perigos para usufruir os supostos benefícios que ele oferece, podemos obter esses benefícios por outros meios. Portanto: Não, o nudismo é inaceitável para quem procura ser um cristão autêntico.
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Essa consideração de forma alguma está apoiando as normas absurdas de vestiário e aparência que as igrejas evangélicas durante décadas impuseram como se fossem mandamentos bíblicos. Essas normas arbitrariamente impunham como padrão para os cristãos os costumes sociais dos tempos e locais em que as respectivas igrejas foram fundadas (1910-1960) mesmo quando esses costumes sociais se modificaram de modos que não contrariavam os princípios bíblicos.
Até 1960 as mulheres brasileiras não usavam calça, não cortavam cabelo e não usavam maquiagem nem adornos, não porque fosse errado, mas porque o Brasil era um país agrícola e sem tecnologia e esses itens simplesmente não estavam disponíveis para a maioria. Com o advento da industrialização, as possibilidades e costumes mudaram. Mas as igrejas evangélicas, em seu dogmatismo autoritário, confundiram o essencial com o incidental, jogando fora o primeiro e defendendo ardorosamente o segundo. Recentemente algumas igrejas atenuaram essa imposição, não porque reconheceram o erro, mas por causa da forte concorrência das novas denominações neopentecostais que liberaram geral os costumes. Também influiu a melhoria sócio-econômica: depois que os líderes passaram a poder usufruir desses itens, o que era do Diabo se tornou prova da bênção de Deus.
Jesus criticou os Fariseus por utilizarem roupas especiais que ostentavam religiosidade e por se preocuparem mais com a aparência de espiritualidade do que com o cultivo a espiritualidade de fato (Mateus 23:5, 25-28). Quando vemos uma mulher com cabelo até a cintura e as pontas quebradiças, manga cumprida e saia até o calcanhar, é como se ela carregasse uma placa de néon dizendo “hei, vejam como sou religiosa!”. Sim, um cristão deve se vestir com modéstia e bom juízo. Mas modéstia genuína é muito diferente de cafonice proposital para impressionar os outros. A roupa deve refletir modéstia, não ostentá-la. Uma modéstia ostentada provavelmente é falsa.
Jesus criticou os Fariseus por inventarem normas e invalidar a Bíblia por meio delas (Mateus 15:1-20). Um fenômeno comum é a mulher evangélica com saia até o calcanhar, mas agarrada, transparente e com um rasgo até a cintura. Algumas não percebem, outras não se importam. Elas estão transigindo princípios bíblicos, mas note que estão obedecendo estritamente as regras da igreja. Enquanto isso, mulheres que usam calças modestas são só por isso chamadas de “prostitutas”.
A Bíblia ensina que as qualidades interiores são de importância fundamental e que a aparência externa, embora também importante, é de importância secundária e em geral conseqüência da primeira. Mas os tradicionalistas evangélicos invalidam a Bíblia por inverter e perverter esse ensino bíblico, colocando a aparência em primeiríssimo lugar e as qualidades interiores em quinto.
O apóstolo Paulo criticou os que se submetiam a regras ascéticas como meio de cultivar espiritualidade. Afirmou que seguir essas normas era uma humildade fingida sem poder genuíno para combater a pecaminosidade (Colossenses 2:16-23). Todos conhecemos indivíduos que são rigorosos praticantes e defensores das normas de sua igreja, mas que são pessoas arrogantes, cruéis e muitas vezes secretamente imorais. Preocupam-se tanto com o secundário (as roupas físicas, ornamentos, etc.) que negligenciam o primordial (o revestir-se da nova personalidade) - Efésios 4:17-24.
É óbvio que o modo como o cristão se veste e se apresenta é importante. Mas o os tradicionalistas não entendem ou não aceitam é que, quando uma pessoa tem um mínimo de conhecimento e um coração cheio de amor por Deus, ela naturalmente tenderá a agir com equilíbrio, modéstia e bom senso, sem necessitar de inúmeras regras humanas adicionadas às Escrituras. Um cristão autêntico não necessita de vigilância e controle, mas de orientação e apoio. Como não acreditam no poder da Bíblia e que as pessoas podem adquirir entendimento e exercer fé, os tradicionalistas procuram reproduzir artificialmente a ação do Espírito Santo (ou o que julgam que deveria ser essa ação) impondo suas normas adicionadas às Escrituras
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