domingo, 22 de maio de 2011

Luta Armada na TV - "AMOR E REVOLUÇÃO"





Luta Armada na TV

por Jaime Sautchuk *

Não sei no que vai dar lá no final, mas o simples fato de o tema servir de ambientação para uma novela na televisão já é importante para a história viva do Brasil. Esta semana, o SBT lançou a novela “Amor e Revolução”, numa ousada e louvável empreitada de resgate da memória nacional.

A importância desse feito é perceptível nos bastidores da própria novela. Muitos dos atores não tinham nem nascido quando se passaram os fatos ali referenciados. Tiveram de ir aos livros para estudar e neles captar informações que serviram para a construção de seus personagens.

Um desses jovens atores, numa cena da novela, fornece alguma dica do tratamento que o enredo vai dar ao tema. “Vou tirar a limpo essa história do Comando de Caça aos Comunistas; minha mãe foi assassinada e eu preciso tirar isso limpo”, afirma ele.

Esta é uma das cenas que fazem parte do trailer de 10m46s exibido na página do SBT na internet desde a semana anterior ao lançamento da novela, na terça-feira, dia 5 de abril. Pela amostra, a novela pode vir a ser um marco na história da televisão brasileira, tal a naturalidade com que trata de um tema que é tabu nesse ramo de produção televisiva.

Há fortes cenas de tortura, de todas as modalidades, do pau-de-arara ao afogamento, passando pelo abuso sexual. E invasões de aparelhos (locais secretos de reuniões) de organizações da esquerda, com assassinatos a sangue frio, espancamentos e maus-tratos de toda ordem.

Boa parte do pessoal de criação e do elenco de atores é de gente que já passou pela Rede Globo. O autor da novela, que cuida do roteiro, diálogos, do conteúdo, enfim, é Tiago Santiago. Não é, pois, pouca brincadeira. 

Sociólogo, até com pós-graduação, é um sujeito que utilizou a formação acadêmica para seu veio de homem das letras. Sempre se dedicou às artes, como grande conhecedor da realidade da gente comum. 

Sua tese de mestrado, por exemplo, é sobre a colonização portuguesa na África. Ele é, também, Romancista, teatrólogo, o escambau. Mas começou como ator, atuando com gente do coturno de Paulo José e Dina Sfat. 

Já na condição de criador de textos para teatro, trabalhou com a mestra Maria Clara Machado e fez um monte de novelas e programas na Globo, quase sempre voltados para o público juvenil. O programa “Malhação” e novelas como “Vamp” são alguns exemplos. 

Com isso, quero dizer que, se depender do autor, podemos esperar uma novela voltada para um público mais jovem, mas que vai fazer muito adulto que diz não gostar do ramo ligar a TV.

A direção ficou sob a responsabilidade do veterano Reynaldo Boury, figura que já consta da própria história da TV brasileira. Conhece muito. De quebra, já fazia televisão quando os episódios que agora vai dirigir ocorreram, o que pode ajudar.

Pelo trailer do SBT, a ambientação é cinematográfica, para lembrar os primórdios da TV. Cenas bem trabalhadas de explosões com pessoas lançadas ao ar, perseguições por ruas e rodovias em fusquinhas, sincas e DKWs, os carros de então, se misturam com ambientes fechados e falas sussurradas, como convinha na época.

Os cenários são muito bem cuidados, nos trajes, mobiliário e até iluminação. Combinam com diálogos também situados naquele tempo, com palavreado e expressões apropriados. 

Não se sabe, por enquanto, o que fez Sílvio Santos, o todo-poderoso do SBT, investir nesse tema. O fato é que tem muito a ver com o crescimento da campanha nacional em favor do esclarecimento do que se passou durante o regime militar iniciado, por coincidência ou não, em abril de 1964. Saber do paradeiro dos corpos dos desaparecidos é o mínimo que se pode esperar.

Já se pode sentir, por isso tudo, que a novela vai entrar fundo num período importante da história recente do Brasil.

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O primeiro capítulo da novela Amor e Revolução, do SBT, que foi ao ar na terça-feira, dia 5, e peças promocionais montadas pela emissora deixam mais claras as intenções da novela. Seu deseja é mesmo entrar no tema para valer e cobrar, inclusive, a punição de torturadores e matadores.

No capítulo de abertura já ficou esboçada a trama central do enredo do escritor Tiago Santiago, autor da novela. É um drama amoroso entre uma jovem de família de esquerda com um militar progressista, que vive o dilema da sua condição castrense versus truculência do regime.

Eles se conhecem durante a histórica invasão do prédio da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro. Cenas documentais, capturadas em tempo real, em abril de 1964, são mescladas com as gravadas agora, em cenário montado nos estúdios do SBT, em São Paulo.

Na segunda-feira, já tarde da noite, o SBT apresentou programa de uma hora sobre os bastidores da novela. Teve os lances técnicos, de explosões, tiros de festim, maquiagem com hematomas que chegam a doer de tão reais que parecem, no dizer de uma atriz, e essas coisas de uma produção de cinema ou TV.

Mas houve, também, depoimentos de atores sobre seus papéis. É o caso do já veterano Cláudio Cavalcanti, que faz o papel de um “comunista histórico”, inspirado em um dos deputados constituintes de 1946, entre os quais estavam, por exemplo, João Amazonas, Maurício Grabois e Jorge Amado. Mas, na novela, o personagem tem nome fictício.

Cláudio, outros atores, o autor Tiago Santiago, o diretor Reynaldo Boury, todos rasgaram o verbo contra o que se passou no período da ditadura. O bordão “ditadura nunca mais” foi repetido por vários deles. E muitos defenderam que os crimes cometidos são imperdoáveis e merecem punição rigorosa. 

Já no domingo, o autor da novela foi o entrevistado no programa de debates ancorado pela jornalista Marília Gabriela, no próprio SBT. Santiago deu detalhes da trama e expôs o sentimento de toda a equipe, da criação aos atores, que é o de vestir a camisa de uma causa justa, segundo suas colocações.

E até nos programas de auditório do SBT, como o musical de Raul Gil, parte do elenco foi anunciar o início da novela. O volume da divulgação provocou certo frisson em alguns setores menos acostumados a serem criticados, nas forças armadas. 

Mas, segundo reportagens nos espaços de política da grande mídia, as novas gerações do alto escalão militar receberam com muita naturalidade esse movimento. Até porque esses novos quadros parecem saber colocar as forças armadas em seu lugar, que é definido com limpidez em nossa Constituição.

*Trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.
FONTE: Portal Vermelho



eltheatro11@eltheatro.com
Editor: Elpídio Navarro





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