(Provérbio em iídiche)
Quando estamos no mundo da rixa, temos a ilusão de estarmos certo, absolutamente certos, é onde vigora o “Eu tenho razão” ou melhor “EU tenho A Razão”, como se outro também não tivesse no mínimo a razão de se defender… E falmos com todos a nossa volta, procurando aprovação para nossas queixas e queixumes, em suma pedindo atenção as nossas dores e por conseguinte aos nossos rancores… Mas nos esquecemos de uma coisa:
“Ele joga pedras e depois diz: “É o destino”.
(Provérbio Árabe)
É justamente porque somos diferentes que podemos dialogar. Precisamos saber as coisas e as pessoas também, inclusive nós mesmos. Porque nós somos a medida de nossos olhos… O outro que nos faz uma ação contrária a quem chamamos de inimigo é o nosso contrapeso. Os inimigos nos servem como limitantes, e muitas vezes bom limitantes, pois nos permitem enxergar de forma mais clara nos fraquezas e testar-nos quanto a elas, bem como também nos ajudam a descobrir o nosso verdadeiro potencial. Porque só se sabe se está pronto para algo quando se faz algo.
Por isso que inimigos também são anjos, as qualidades deles podem nos assombrar quando não estamos preparados para lidar no bem que reside em cada um, até naqueles que nos são contrários. Então saber reconhecer as qualidades do nosso oponente, suas virtudes e também saber ver quando o nosso oponente tem sim toda razão para estar naquela posição é saber enxergar. É deixar de ser criança para ser adulto. É sair do eu para a dimensão do outro e assim poder chegar a dimensão do nosso.
Só que se enxergar pode ser perigoso também, porque quando olhamos para nós dificilmente olhos com um olhar imparcial, ou nos consideramos bons demais ou ruins demais, é difícil ver o meio termo quando olhamos para dentro de nós mesmo. Criando fantasias que quando postas em prática, bem parecem mel a boca e areia ao estômago… Por isso que os inimigo são importantes, porque ao se oporem a nós eles nos ajudam a calibrar o nosso ser, a nossa percepção inclusive de nós mesmos e por muitas das vezes acabam por evitar que o mel a boca se torne areia no estômago.
Só quando temos um nível satisfatório de auto-estima é que podemos abrir espaço para o outro e compartilhar com prazer, ou seja, só quem realmente se gosta, se ama pode compartilhar com prazer a alegria do outro sem que o seu semblante caia.
Quando compartilhamos com prazer, é porque estamos satisfeitos com o que nos cabe e podemos dizer como o Rei Davi : “O cordel mediu para mim um lugar delicioso; sim minha herança é mais bela. (…) Por isso o meu coração se alegra, minhas entranhas exultam e minha carne repousa em segurança” (Salmo 13: 6 e 9)
Isso significa estar satisfeito com que se tem e também satisfeito consigo mesmo, quando adentramos nesse estado podemos “desinvejar” o outro, ou seja, ter um bom olhado.
Chegamos a este estado quando aprendermos a simplesmente sermos bons e não bonzinhos, como ilustra a história abaixo:
A esposa de Rabi Itschak (o Iehud) era bastante geniosa e frequentemente discutia com ele. O Iehud jamais respondia as suas provocações, com uma palavra que fosse. certa vez, no entanto, sua esposa o molestou mais que habitualmente e ele respondeu com algumas palavras. O Rabi Bunam perguntou-lhe: ‘Por que abandonou seu antigo costume de não responder?’
‘Porque percebi que o que mais perturbava minha mulher era o fato de eu não me importar com suas reclamações’, contestou o Iehud. ‘Estas palavras com que reagi a ela representam na verdade, um ato de muito carinho.’ “
(Bonder, In A Cabala da Inveja)
Precisamos saber dizer não, impor limites a nós mesmo e aos que nos cercam e isso é fundamental para dissipar certos resíduos de invejam que existem e que são difíceis de se neutralizar. Vou falar de uma experiência pessoal minha, talvez isso torne ainda mais claro o que eu quero dizer:
Tive amizade por uma pessoa por 13 anos, ao longo desse tempo tive uma enorme paciência em escutar toda sorte de lamúrias contra a vida e contra os outros. Em suma, estava diante de uma vítima dos destino, mas apesar da lista de queixas aumentarem de forma exponencial a cada ano eu as ouvia passivamente e depois tentava ponderar com essa pessoa. Afinal de contas apesar de tudo era uma “boa” amiga e não me custava nada tentar conforta-la.
Até que a um tempo atrás ela me perturbou para sairmos pois ela havia cismado com um cara que não queria nada com ela e embora ela soubesse disso, insistia… Naquele dia ninguém quis ir com ela e eu fiquei com pena e aceitei desde que não fosse direto no cara (coisa que ela acabou fazendo), mas o pior nem foi isso.
Naquela noite eu fiquei boquiaberta com ela, estavamos sentadas à mesa na Churrasqueira, um bar aqui de JF, quando ela fez o seguinte pedido ao garçom:
-”Traga uma batata recheada com catupiry, mas com bastante a mais calórica que você tiver.”
Eu pedi apenas um drink, por não estava com fome. E assim foi feito…
Quando a batata chegou a mesa essa pessoa virou-se para mim e disse:
-” Esta batata é para você comer, porque é extremamente injusto comigo que você esteja magra enquanto eu fico cada vez mais gorda!”
Eu quase cai da cadeira quando ouvi isso (até porque ela procura por se fazer engordar, não malha e come tudo quanto é besteira e em grande quantidade) e me lembrei de tudo que eu ouvira nesses 13 anos de amizade, de toda atenção que lhe dei, de ter gastado uma dose inimaginável de paciência com os caprichos dela, porque é capricorniana feito eu, e os capricornianos são cheios de caprichos e de “não me toques”. Em suma, eu nunca havia me oposto diretamente a ela, então ela não percebeu o limite das coisas e virou na minha direção, passado isso… Bem, tive uma torção no tornozelo dormindo, uma lesão na coxa e por ultimo um problema de coluna estúpido, derivado de uma lesão noombro, e o detalhe é que todas as lesões que tive foi fora da hora de malhação… Lesão essa, que me tirou parcialmente o movimento do braço esquerdo, tive que tomar remédios, fazer fisioterapia, ficar mais de um ano de molho, engordar e ela nesse tempo veio visitar direto e pensava que escondia a felicidade em me ver engordar e se sentia assim mais, como direi, como se o universo tivesse em fim feito justiça a ela. Foi aí que eu percebi o quanto é importante não sermos bonzinhos sempre e varri com ela da minha vida, sem alarde mas fui varrendo ela aos poucos, com isso a minha vida ficou mais leve e tudo agora flui com mais facilidade, bem como voltei a emagrecer e to voltando ao meu peso normal de novo. Pode parecer piada, mas isso é algo bem real.
Outra peróla de inveja que eu ouvi foi da minha fisioterapeuta, que é uma mulher bonita, tem um filho bacana, um namorado bacana, é realizada profissionalmente:
- “Nosso o seu cabelo é lindo, morro de inveja dele, queria o meu fosse assim! Porque Deus não foi justo comigo me dando um cabelo como o meu…”
E eu já escolada, na mesma hora respondi:
-”É verdade! Você tem toda razão! Porque realmente é absurdo Ele me dar um lindo cabelo e lhe dar um belo abdomem, então façamos assim eu troco com você de cabelo e você troca comigo de abdomem. Eu também acho tudo isso extremamente injusto!”
Claro que ela percebeu o absurdo que tinha falado e ruborizando se calou na mesma hora
Por isso precisamos não sermos bonzinhos, mas também precisamos aprender a conviver com a má-vontade alheia e saber que muitas das vezes o próximo somos nós também e que existe um limite entre amar o outro e amar nós mesmos, por mais paradoxal que isso pareça. Isso significa saber auferir os custos de um conflito, porque tem vezes que um conflito vale mais a pena do que uma paz mal arranjada.