terça-feira, 18 de junho de 2013

O sofrimento de Padre Cícero nos últimos dias de vida

por João Marcelino Mariz – advogado e membro da API

A escritora cearense, Amália Xavier de Oliveira (foto), em “O Padre Cícero Que Eu Conheci – Verdadeira História de Juazeiro do Norte” – Editora Henriqueta Galeno – 1974 – narra às páginas 327/329, a agonia e morte de Padre Cícero em 20 de julho de 1934. Ela estava lá junto com ele, e conta:


“Na noite de 18 de julho, correu na cidade o boato de que os Drs. Mozart e Belém haviam sido chamados para o Pe. Cícero que estava atacado das cólicas que já por diversas vezes o tinham prostado. Os médicos aplicaram um purgante de óleo de rícino, depois de informados que havia já 5 dias que não defecava. Tiveram que passar a noite a cabeceira do enfermo que não experimentava melhoras e vomitava quase que constantemente.

Já idoso Padre Cícero já tinha dificuldade de ler
No dia 19 de julho pela manhã notaram que o seu estado se agravava; diagnosticaram espasmos intestinais, ataque de uremia. Todo o dia passaram em atividade, novo purgante porque o primeiro não produziu efeito; lavagens ineficazes, esforços inúteis; combinavam a chamar os Drs. Elísio Figueiredo e Pio Sampaio.

Às 5 horas da tarde pirou consideravelmente.

Às 8 da noite fui até lá e logo tive a certeza de que era impossível escapar. Pareceu-me um moribundo; entretanto animada, voltei a casa, fizemos uma novena à Santa Terezinha, levando-lhe depois a relíquia da mesma Santa que a beata Mocinha lhe deu a beijar.

Às 10 horas da noite espalhou-se o boato de que ele havia melhorado; uns se animaram, outros temeram ainda pelo seu estado. Às 3 horas da madrugada despertei sobressaltada por choros altos; avisaram em casa, que o Padre havia piorado, tendo recebido, às duas horas, os Sacramentos.

Encaminhei-me para lá com Donata. Que quadro doloroso!

O Padre sossegado porque seu estava sob o efeito de uma injeção de morfina e os médicos, aflitos porque viam esgotados todos os recursos. Indaguei o seu estado e disseram: tem poucas horas de vida. A esta voz dirigi-me para o seu quarto encontrei-o gemendo.

Às 5:30 horas, chamou o Dr. Mozart e pediu-lhe um remédio que fizesse cessar as dores que o atormentavam. Dr. Mozart reconhecendo sua impotência diante da vontade de Deus começou a chorar, enquanto o Padre lhe tomava a mão colocando-a sobre a dor e pedindo que friccionasse.

Pediu água e aceitou um chá que lhe ofereceram.

Eram 5 e 15 da manhã quando ele começou a morrer. Ajoelhei-me aos pés da cama disposta a assistir tudo. Chamou o Pe. Juvenal; compreendi e avisei para o Pe. Juvenal que lhe respondeu: “Estou aqui, Pe. Cícero, lhe absolvendo constantemente”.

O enterro de Padre Cícero reuniu uma imensurável multidão
A mandado do Dr. Elísio o Pe. Juvenal pediu que ele abençoasse todo o povo de Juazeiro, presente e ausente. O Padre com um gesto firme apesar de agonizante levantou o braço e traçou três cruzes para os lados, como se naquele momento as forças se lhes voltassem. Deram-lhe a imagem do Senhor e a vela, ele abraçou o crucifixo, passou a mão com ternura sobre a cabeça do Crucificado e depois chamou baixinho: Joana. Apareceu-lhe Madrinha Mocinha e aí um quadro enternecedor: Com a voz forte ele chamou: “Padrinho Cícero é Joana quem está aqui; abençoe-me padrinho Cícero; e beijava-lhe aflita a mão. O Padre virou para ela a cabeça, abriu os olhos, apertou-lhe a mão e disse cortando as palavras: “No Céu pedirei a Deus por vocês todos”.

Foram suas últimas palavras. Perguntaram-lhe ainda o que ele queria e o que estava sentindo e a tudo respondeu: “Nada”.

Pouco depois vai a beata Bichinha também despedir-se: “Seu Padre está aqui Josefa; abençoe-me”; e enquanto beijava-lhe a mão, ele virava para ela também a cabeça, abrindo os olhos já embaciados e murmurando palavras imperceptíveis. Pareceu-me ouvi-lo chamar constantemente: “Meu Pai, Meu Pai”.

Ajoelhei-me junto ao seu leito de morte e começamos a rezar o terço. Sua respiração ia diminuindo, até que sem um gesto, sem nem sequer mover-se, expirou com a calma dos justos às 6 horas em ponto.

No último arranco, fechou os olhos espontaneamente; apanhei em um lenço as suas últimas lágrimas e com o mesmo lenço enxuguei o suor de sua morte que lhe inundava o rosto. E uma lembrança que os de casa muito prezam, pertence à sua pupila generosa. “Morreu o Padre Cícero”, era a voz geral, acompanhada de lamentos que cortavam os corações.”

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