Na Cidade do México
É na pequena cidade indígena de
Navenchauc, no Estado de Chiapas, no sul do México, que o presidente Enrique
Peña Nieto dever lançar nesta sexta-feira (19), sua grande "cruzada contra
a fome". Para essa ocasião, ele convidou o ex-chefe de Estado do Brasil
Luiz Inácio Lula da Silva, ícone da luta contra a pobreza. Embora promissor
--esse projeto interministerial--, que envolve o setor privado e a sociedade
civil, provoca uma série de reservas.
"Não se trata de uma medida de assistência, mas de uma estratégia
integral para os mais desfavorecidos", insistiu o presidente em 21 de
janeiro em Chiapas, ao assinar o decreto de criação de sua cruzada. Três meses
depois, o presidente volta ao Estado, um dos mais pobres do país, para dar o
pontapé inicial nesse plano destinado a 7,4 milhões de mexicanos em 400
municípios "altamente marginalizados", dos quais 60% são
indígenas.
Distribuição de alimentos,
oficinas de formação em boa alimentação, acesso aos serviços de saúde e de
educação, melhora da produção e da comercialização agrícolas... Medidas dotadas
de um orçamento equivalente a 18 bilhões de euros, que visam principalmente
erradicar a desnutrição infantil. Esse programa se inspira no plano brasileiro
Fome Zero, lançado em 2003 pelo presidente Lula. "Hoje nós convidamos Lula
porque o Fome Zero foi um sucesso", justificou a ministra mexicana do
Desenvolvimento Social, Rosario Robles, que comanda o projeto.
A aposta é grande: 11 mil
mexicanos morreram de fome em 2011, segundo o governo. A pobreza atinge cerca
da metade da população. Para enfrentar esse desafio, todos os ministérios foram
mobilizados, assim como os Estados e os municípios envolvidos. A sociedade
civil não ficou fora. Um Conselho Nacional que reúne representantes do setor
privado, ONGs, universidades, assim como os 31 governadores, além do prefeito
da Cidade do México -- encarregado de orientar e avaliar o programa.
"Negócio
da fome"
Em campo, projetos pilotos
foram lançados no início de abril nos Estados de Tamaulipas (nordeste), Oaxaca
(oeste) e Chihuahua (norte). Desde então, caravanas distribuem alimentos nos
municípios mais pobres. Além disso, a campanha Sin Hambre (Sem Fome) propõe aos
mexicanos que façam doações ou se mobilizem como voluntários a partir de um
site, uma página no Facebook e um blog exclusivo.
Para reunir os alimentos
necessários e distribui-los, o governo prevê a assinatura de acordos com 64
bancos alimentares e a central de abastecimento.
Mas o governo visa sobretudo as
empresas. Em 8 de abril, o México anunciou a participação da PepsiCo, que
contribuirá com o projeto elaborando um complemento alimentar sob a forma de
bebidas lácteas e biscoitos, para as crianças e as mulheres grávidas. Quanto à
Nestlé, o grupo oferecerá cursos para ensinar as mães de família a vender seus
produtos. Ao todo, 60 fundações se associaram, entre elas a Walmart.
Entretanto, a iniciativa
provoca críticas acirradas por parte de algumas ONGs: "A integração do
setor privado corre o risco de transformar a cruzada em um verdadeiro negócio
da fome, visando modificar os hábitos alimentares dos pobres a partir de
produtos muito açucarados e salgados, enquanto os mexicanos já são vítimas de
obesidade", denunciou Patti Rundall, diretora da ONG Baby Milk Action.
O governo também sofreu ataques
políticos sobre sua escolha dos 400 municípios integrados ao programa, dentre
os mais de 2.000 do país. A pedido de deputados do PAN (Partido da Ação
Nacional, de direita), Marti Bartes, presidente do Morena (Movimento de
Regeneração Nacional, de esquerda), denuncia "um projeto de cunho
eleitoral nos municípios que terão eleições locais em 2013". Na
terça-feira (16) ele anunciou o envio de uma carta a Lula para "adverti-lo
de que o programa ao qual ele se associa trai a nação mexicana".
Fome
Zero fracassou
E o economista Miguel Angel
Corro explica que "o plano Fome Zero fracassou em reduzir a pobreza no
Brasil. Lula o substituiu rapidamente, desta vez com grande sucesso, por uma
série de programas sociais, entre eles o Bolsa Família, que concede aos pobres
uma soma em dinheiro desde que eles enviem seus filhos à escola".
O número de famílias
beneficiadas por essas bolsas aumentou de 3,6 milhões em 2003 para 13 milhões
hoje. A aposta foi ganha: de 2003 a 2008 os brasileiros que sofriam de fome
passaram de 12% para 4,8% da população.
Melhor, a atual presidente do
Brasil, Dilma Rousseff, que ampliou o investimento social de seu antecessor,
anunciou em fevereiro que 22 milhões de brasileiros saíram da pobreza em dois
anos.
"Segundo o mesmo
princípio, a cruzada de Peña Nieto não será suficiente se não for associada a
outras medidas mais integrais, que geram a criação de empregos e de pequenas
empresas", comenta Corro. "Ainda mais que os mexicanos que sofrem de
problemas de nutrição são quase 30 milhões."
As críticas são rejeitadas em
bloco por Robles, que afirma que "o plano está apenas em sua primeira fase
e será objeto de uma avaliação permanente pela sociedade civil e por
instituições independentes". E Cesar Duarte, governador do Estado de
Chihuahua, que faz fronteira com os EUA, que tem 140 mil habitantes inscritos
no programa, declara: "O que vai resolver a fundo o problema da fome será
o desenvolvimento das estradas, da energia elétrica, das escolas e das atividades
produtivas. Com isso também se reduzirá a emigração." Todo ano, cerca de
300 mil mexicanos atravessam ilegalmente para os EUA para fugir da miséria.
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