Era comum na década de 1990 ouvir que os investimentos públicos do Brasil estavam condicionados às diretrizes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Tudo que era proposto pelo Estado brasileiro precisava da chancela do Fundo, que tutelava o governo e o povo. Contudo, no governo Lula esse tempo passou e quem voltou a dar as cartas sobre os investimentos públicos é o Estado brasileiro.
Em entrevista ao Dilma na Web, o diretor executivo pelo Brasil e mais oito países no FMI, Paulo Nogueira Batista Junior, analisa esse novo momento do país e comemora o abandono das ilusões da globalização e fim do Estado inoperante que apostava apenas no mercado.
Qual a avaliação sobre o desempenho dos países em desenvolvimento na crise financeira mundial, iniciada em 2008?
Foi uma grande surpresa. Os países em desenvolvimento, em sua maioria, enfrentaram a crise razoavelmente bem. O Brasil se destacou nesse particular. Muito do prestigio atual do país se deve à percepção de que o Brasil soube lidar bem com os choques externos em 2008 e 2009. Houve a maior crise desde a Grande Depressão dos anos 1930, e o Brasil não só não teve grandes problemas em suas contas externas, como virou credor do FMI! Quem diria!
Que significado tem dentro e fora do FMI a mudança de posição do Brasil de devedor para credor externo?
Hoje a nossa posição é outra. A influência do Brasil no exterior, inclusive no FMI, G20, é crescente. O Brasil tem demonstrado capacidade de atuar de forma independente. Nem todos os emergentes têm essa capacidade. Houve, acredito, uma mudança enorme na posição internacional do país. Temos que trabalhar para manter e consolidar essa posição mais forte. Para isso, é importante, entre outras coisas, manter as contas em ordem e evitar a dependência de capitais externos.
Quais vantagens competitivas o senhor vê no Brasil em relação aos outros países?
O Brasil é um país-continente. É um dos maiores do mundo em termos de PIB [Produto Interno Bruto], população e extensão geográfica. Tem recursos naturais abundantes. Uma população ativa e criativa. Sempre acreditei, mesmo nos piores momentos durante os anos 1980 e 1990, no futuro do país e no seu potencial. Passamos por muito sofrimento, muita decepção, mas agora tomamos o rumo do desenvolvimento com independência. “A independência é para os povos, o que a liberdade é para o individuo”, dizia De Gaullle. Depois de muita cabeçada, parece que finalmente o Brasil encontrou o seu caminho, abandonando as ilusões sobre “globalização”, fim do Estado nacional e outras que nos seduziram na década de 1990.
O Brasil pode se tornar a 5ª maior economia do mundo, como alguns preveem?
É difícil prever. Mas o Brasil deve continuar crescendo mais do que a média mundial. Para continuar crescendo, é importante manter políticas econômicas sólidas, estimular o investimento e não se deixar inibir pelas estimativas pessimistas que muitos economistas fazem sobre o nosso “crescimento potencial”. Essas estimativas são mais incertas do que se imagina. Não me parece exagerado buscar metas de crescimento ambiciosas, digamos, de 6% ao ano nos próximos anos.
Como o senhor vê os recentes desdobramentos da crise mundial na União Europeia e sobretudo os riscos para países em desenvolvimento?
A crise europeia não está resolvida. A tensão diminuiu, mas o quadro é de fragilidade. A perspectiva é de estagnação ou crescimento lento. Como ela representa mais de 20% do PIB mundial, um efeito adverso no resto do mundo é inevitável. Para o Brasil, o mercado europeu é importante e, portanto, a crise afeta as nossas exportações e provavelmente os preços das commodities (soja, minério de ferro) exportadas pelo país. Mas a posição brasileira é bastante boa. Temos reservas altas, contas razoavelmente sólidas, crescimento econômico robusto. A imagem do Brasil no exterior é muito favorável. A principal fragilidade, a meu ver, é o desequilíbrio crescente das contas externas correntes. Isso resulta da combinação de crescimento rápido e moeda valorizada. O Brasil está crescendo bem mais do que a maioria das principais economias. E os nossos juros são muito mais altos do que os praticados pelos principais bancos centrais do mundo.
Como andam as discussões para reformar o sistema financeiro internacional e até mesmo o FMI?
As reformas do FMI estão caminhando. A grande resistência é dos europeus, que estão super-representados na instituição e relutam muito em ceder espaço. Muito dinheiro foi e está sendo colocado no FMI desde a crise global. A briga interna, a disputa pelo poder dentro da instituição, se intensificou. Quanto à reforma financeira, houve progresso, mas não tanto quanto se poderia esperar. Afinal, as deficiências do sistema financeiro, da sua regulação e supervisão, tanto nos EUA como na Europa, provocaram uma crise fenomenal. O problema é que a influência dos lobbies financeiros é enorme. Os governos, pressionados pela opinião publica, estão enfrentando esses lobbies, com maior ou menor sucesso, mas a batalha é dura.
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