José Serra
enfrenta na eleição municipal de São Paulo um conjunto de sintomas que, por
reincidentes, assemelham-se a uma síndrome política –a síndrome da contramão.
Pela terceira vez em dez anos, Serra vê-se compelido a remar contra a vontade
de parcela expressiva do eleitorado.
Em 2002, Serra
foi o presidenciável da continuidade numa fase em que, desgostoso com o governo
tucano de Fernando Henrique Cardoso, o brasileiro ansiava por mudança. Medida pelo Datafolha, a taxa de aprovação de
FHC no ocaso do seu segundo mandato era miúda: apenas 26% dos brasileiros
consideravam-no ótimo ou bom. Avaliavam-no como gestor ruim ou péssimo 36%.
Contaminado
por essa atmosfera de enfado, Serra tornou-se à época o candidato favorito a
transformar Lula em presidente da República. Após amargar três derrotas –uma
para Fernando Collor e duas para o próprio FHC— o ex-sindicalista chegou
finalmente ao Planalto.
Em 2010, Serra
disputou de novo Presidência. Novamente na contramão. Dessa vez, foi o
candidato da oposição numa quadra em que o encantamento despertado por Lula
instilava na alma dos eleitores o desejo da continuidade. Ao final do seu
segundo ciclo, Lula foi brindado pelo Datafolha com uma taxa recorde de
aprovação: 83%. Cavalgando esse índice, ele fez da novata Dilma Rousseff sua
sucessora.
Decorridos
dois anos, Serra frequenta a cena eleitoral de São Paulo agarrado à âncora de
uma administração que a grossa maioria dos paulistanos trama afogar. O
Datafolha informa que 88% do eleitorado quer um prefeito capaz de implentar no
município providências diferentes das adotadas por Gilberto Kassab (PSD).
Serra percorre
em 2012 a via que lhe sobrou –para 2014, o PSDB irá de Geraldo Alckmin no
Estado e de Aécio Neves no plano federal. Ou seja, não havia outro caminho. O
problema é que, uma vez mais, Serra trafega a avenida certa na mão errada.
Patrono e aliado de Kassab, traz gravado na testa a cruz da continuidade. Isso
numa hora em que grassa o sentimento de mudança.
Dispersa, a
fome de novidade carreou votos para três candidaturas no primeiro turno:
Fernando Haddad (28,98%), Celso Russomanno (21,6%) e Gabriel Chalita (13,6%).
Juntos, os pregoeiros do novo amealharam 64,18% dos votos, mais do que o dobro
da votação obtida por Serra: 30,75%.
De resto, uma
expressiva massa de paulistanos expressou sua aversão a todas as opções levadas
pelos partidos à prateleira. Votaram em branco, anularam o voto ou
abstiveram-se de comparecer às urnas 28% dos eleitores de São Paulo.
Contra esse
pano de fundo impregnado de acidez, Serra chega à beira da definição em
situação que, mal comparando, faz lembrar 2010. Mede forças com uma espécie de
Dilma de calças. Lula não conseguiu eletrificar seu novo ‘poste’ na voltagem
pretendida. Haddad não alcançou nem o terço de votos que os petistas
historicamente beliscam na cidade. Mas foi ao segundo round.
Para
desassossego do tucanato, Haddad beneficia-se agora do efeito mal menor.
Revela-se aos eleitores de Russomanno e de Chalita como uma alternativa mais
atraente –ou menos repelente— do que Serra. Abriu uma vantagem de 17 pontos.
Deve-se a distância mais à queda do tucano do que à subida do petista.
Com Kassab
peundurado ao seu pescoço e rejeitado por 52% dos eleitores, Serra frequenta o
ringue como um candidato nas cordas. É como se participasse de uma luta de boxe
na qual tivesse de entrar com a cara. Para prevalecer, depende de um nocaute.
Há na praça,
informa o Datafolha, um naco de 19% do eleitorado à espera de ser seduzido. Um
recorde. Em pesquisa feita a dez dias do segundo turno, 10% dos paulistanos
declaram que votarão em branco ou anularão o voto. Outros 9% apresentam-se como
indecisos. Para conquistar essa gente, Serra teria de operar um milagre.
Há um quê de
ironia na ligação do tucano com o rejeitado Kassab. Em marco de 2004, quando se
preparava para disputar a prefeitura de São Paulo, Serra recebeu em sua casa o
deputado federal que o então PFL escolhera para ser o vice de sua chapa. Era
Kassab. Com a franqueza que lhe é própria, Serra disse ‘não’. Receava que o
vinculassem a Celso Pitta, de quem Kassab fora secretário.
Puxa daqui,
estica dali o ex-senador Jorge Bornhausen, que presidia o PFL à época, foi para
o tudo ou nada. Ou Kassab seria o vice ou Serra não teria o tempo de tevê da
legenda. Eleito, Serra renunciou à cadeira de prefeito 15 meses depois, entregando
o assento ao vice Kassab.
Em 2008, já no
governo de São Paulo, Serra conspirou contra o candidato do seu partido à
prefeitura, Geraldo Alckmin. Preferiu prestigiar o projeto reeleitoral de
Kassab, que foi ao segundo turno contra Marta Suplicy e derrotou-a em votação
consagradora: 61% dos votos.
Hoje, Serra
tenta sustentar a tese segundo a qual o ex-vice tornou-se um político
“autônomo”. O eleitor observa a cena e leva o pé atrás. Enxerga um político na
contramão. Confirmando-se o quadro esboçado pelas pesquisas, Serra arrisca-se
arrostar um infortúnio na cidade que lhe servia de lenitivo. Em 2002 e 2010,
anos em que foi acometido pela síndrome, obtivera em São Paulo –na cidade e no
Estado— mais votos do que Lula e Dilma.
Fonte: Blog do Josias
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