Não deixe que aluguem a sua cabeça, mas, se não houver outro jeito, cobre um aluguel bem caro |
Por Marcelo Migliaccio — Blog Rio Acima
Aproveitando
o texto Jornalismo para iniciantes, aqui vão algumas dicas de um jornalista
experiente para que você consuma produtos da indústria da informação com um
mínimo de segurança, ou seja, sabendo o que é realmente informação e o que é
conversa fiada com interesses camuflados.
I
- Comece a ler a primeira página dos
grandes jornais de baixo para cima. Normalmente, o espaço superior, que os
editores julgam ser mais nobre, é ocupado por manchetes destinadas a prejudicar
a imagem de alguém ou de alguma corrente política, além disso, é no lá alto que
os jornais colocam as promoções que usam para atrair o leitor que já não se
interessa tanto por suas reportagens (tipo dar relógio de presente). É no alto
também que são estampadas notícias de grande apelo popular mas discutível
relevância, como o resultado do jogo do Flamengo ou a bela modelo eliminada do
reality show.
Outro
dia, a importante notícia de que o desemprego entre os jovens no Brasil havia
caído pela metade estava lá embaixo, pequenininha, enquanto o desfile da Unidos
da Tijuca era escancarado lá no alto...
Em
geral, as marolas e intrigas políticas de ocasião, ganham grande destaque,
enquanto fatos de importância para além da nossa época são negligenciados. Veja
o destaque dado agora à suposta "crise" na base de apoio do governo.
II - Repare
nos verbos usados. Em jornalismo, o verbo é tudo. Escrevem-se que o governador
"afirmou", é uma coisa. Mas escrevem que ele "admitiu", já
vem uma carga desfavorável implícita na semântica. "Sustentar",
"reconhecer", "argumentar", entre outros, são verbos usados
para colocar alguém em posição defensiva, jogando sobre este sempre alguma
suspeição.
Por
outro lado, se optam por "decretou", "sentenciou",
"definiu" e "concluiu", isso mostra que o fulano em questão é um grande
amigo do jornal.
Se o
fulano "sacramentou", ele é amicíssimo!
III -
Aos amigos, tudo, principalmente uma boa foto. Aos inimigos, uma careta. Uma
vez, um ator e diretor de TV e teatro ligou para o jornal em que eu trabalhava
para reclamar de uma foto dele publicada em ângulo desfavorável, Vaidoso que
só, não gostou de sair nas páginas de rosto franzido, Bolas, ele fazia um papel
de vilão, a foto, do personagem, era pertinente... Com os políticos, essa
distinção de imagem é muito usada. Algumas fotos chegam a ser sonegadas ao
público, como foi recentemente aquela em que Dilma Rousseff e o ator Sean Penn
apareceram lado a lado. Você viu?
IV -
Um jornal não é do dono, é das empresas que nele anunciam. Por isso, H.L.
Mencken, grande jornalista americano, dizia, já nos anos 1920, que um pasquim
popularesco é mais confiável do que um gigante da mídia. Sem anúncios, um
jornal é verdadeiramente independente (pena que não dura).
Imagine
se um dos jornais em que eu trabalhei publicaria a denúncia de que o banheiro
do Mc Donalds da Cinelândia havia se transformado em ponto de encontro de
homossexuais e garotos de programa. Um absurdo, funcionários dizendo que nada
podiam fazer e crianças se arriscando a se deparar com aquelas cenas. Claro que
o editor disse pra eu jogar a apuração no lixo...
Outro
chefe meu ignorou a situação caótica que testemunhei no Hospital da Posse, em
Nova Iguaçu, porque a divulgação daquilo não seria nada boa para a facção
política que detinha o poder na época.
Da
mesma forma, jornais com muitos anúncios dos governos estaduais, municipais ou
federal pensam dez vezes antes de publicar algo que realmente vá incomodar seus
mantenedores. Fica sempre aquele morde e assopra entediante, em que pequenas
denúncias frívolas se alternam a matérias escancaradamente chapa branca. Quando
o governo Lula pulverizou a verba de publicidade em impressos, diluindo-a por
jornais menores do interior, os grandes da mídia ficaram fulos da vida.
V -
Leia os editoriais. Ali, onde os editores manifestam de forma mais clara a
posição do jornal, fica evidente que corrente política eles apóiam e qual
querem ver longe do poder, ou melhor, da chave dos cofres públicos. Gozado é
que lá, onde têm a prerrogativa de opinar, eles procuram fazê-lo da forma mais
suave possível, com uma linguagem rebuscada e fugidia que torna todo editoral
chatíssimo de ler.
VI -
Dê uma olhada na escalação do time de colunistas. Em geral, todos dizem o que o
patrão quer, e por isso ele os coloca lá. Esses papagaios permitem ao dono
reverberar suas opiniões e posições. já que só pensam em garantir seus empregos
e têm como traço comum, além da cara de pau, a mediocridade. A tarefa calhorda
é considerada tão nobre hoje em dia que alguns colunistas até se tornam
imortais da Academia Brasileira de Letras.
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