terça-feira, 20 de março de 2012

Algumas dicas para ler jornais

Não deixe que aluguem a sua cabeça, mas, se não houver outro jeito, cobre um aluguel bem caro
Por Marcelo Migliaccio — Blog Rio Acima
Aproveitando o texto Jornalismo para iniciantes, aqui vão algumas dicas de um jornalista experiente para que você consuma produtos da indústria da informação com um mínimo de segurança, ou seja, sabendo o que é realmente informação e o que é conversa fiada com interesses camuflados.

I -  Comece a ler a primeira página dos grandes jornais de baixo para cima. Normalmente, o espaço superior, que os editores julgam ser mais nobre, é ocupado por manchetes destinadas a prejudicar a imagem de alguém ou de alguma corrente política, além disso, é no lá alto que os jornais colocam as promoções que usam para atrair o leitor que já não se interessa tanto por suas reportagens (tipo dar relógio de presente). É no alto também que são estampadas notícias de grande apelo popular mas discutível relevância, como o resultado do jogo do Flamengo ou a bela modelo eliminada do reality show.

Outro dia, a importante notícia de que o desemprego entre os jovens no Brasil havia caído pela metade estava lá embaixo, pequenininha, enquanto o desfile da Unidos da Tijuca era escancarado lá no alto...

Em geral, as marolas e intrigas políticas de ocasião, ganham grande destaque, enquanto fatos de importância para além da nossa época são negligenciados. Veja o destaque dado agora à suposta "crise" na base de apoio do governo.

II - Repare nos verbos usados. Em jornalismo, o verbo é tudo. Escrevem-se que o governador "afirmou", é uma coisa. Mas escrevem que ele "admitiu", já vem uma carga desfavorável implícita na semântica.  "Sustentar", "reconhecer", "argumentar", entre outros, são verbos usados para colocar alguém em posição defensiva, jogando sobre este sempre alguma suspeição.

Por outro lado, se optam por "decretou", "sentenciou", "definiu" e "concluiu", isso  mostra que o fulano em questão é um grande amigo do jornal.

Se o fulano "sacramentou", ele é amicíssimo!

III - Aos amigos, tudo, principalmente uma boa foto. Aos inimigos, uma careta. Uma vez, um ator e diretor de TV e teatro ligou para o jornal em que eu trabalhava para reclamar de uma foto dele publicada em ângulo desfavorável, Vaidoso que só, não gostou de sair nas páginas de rosto franzido, Bolas, ele fazia um papel de vilão, a foto, do personagem, era pertinente... Com os políticos, essa distinção de imagem é muito usada. Algumas fotos chegam a ser sonegadas ao público, como foi recentemente aquela em que Dilma Rousseff e o ator Sean Penn apareceram lado a lado. Você viu?

IV - Um jornal não é do dono, é das empresas que nele anunciam. Por isso, H.L. Mencken, grande jornalista americano, dizia, já nos anos 1920, que um pasquim popularesco é mais confiável do que um gigante da mídia. Sem anúncios, um jornal é verdadeiramente independente (pena que não dura).

Imagine se um dos jornais em que eu trabalhei publicaria a denúncia de que o banheiro do Mc Donalds da Cinelândia havia se transformado em ponto de encontro de homossexuais e garotos de programa. Um absurdo, funcionários dizendo que nada podiam fazer e crianças se arriscando a se deparar com aquelas cenas. Claro que o editor disse pra eu jogar a apuração no lixo...

Outro chefe meu ignorou a situação caótica que testemunhei no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, porque a divulgação daquilo não seria nada boa para a facção política que detinha o poder na época.

Da mesma forma, jornais com muitos anúncios dos governos estaduais, municipais ou federal pensam dez vezes antes de publicar algo que realmente vá incomodar seus mantenedores. Fica sempre aquele morde e assopra entediante, em que pequenas denúncias frívolas se alternam a matérias escancaradamente chapa branca. Quando o governo Lula pulverizou a verba de publicidade em impressos, diluindo-a por jornais menores do interior, os grandes da mídia ficaram fulos da vida.

V - Leia os editoriais. Ali, onde os editores manifestam de forma mais clara a posição do jornal, fica evidente que corrente política eles apóiam e qual querem ver longe do poder, ou melhor, da chave dos cofres públicos. Gozado é que lá, onde têm a prerrogativa de opinar, eles procuram fazê-lo da forma mais suave possível, com uma linguagem rebuscada e fugidia que torna todo editoral chatíssimo de ler.

VI - Dê uma olhada na escalação do time de colunistas. Em geral, todos dizem o que o patrão quer, e por isso ele os coloca lá. Esses papagaios permitem ao dono reverberar suas opiniões e posições. já que só pensam em garantir seus empregos e têm como traço comum, além da cara de pau, a mediocridade. A tarefa calhorda é considerada tão nobre hoje em dia que alguns colunistas até se tornam imortais da Academia Brasileira de Letras.


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