Por Francisco Frassales Cartaxo
Trabalhadores rurais costumavam invadir cidades a procura de comida e trabalho, em tempo de seca braba. Levas de gente de chapéu de palha vinham dos sítios com seus bisacos na esperança de enchê-los para matar a própria fome, a da mulher e filhos. Quase sempre, o prefeito dava um jeito com a ajuda de comerciantes. Então os “invasores” regressavam a suas casas, à espera da abertura das “frentes de emergência” do governo, como eram chamados os serviços em estradas, açudes, ruas e praças, para socorrer as massas famintas do Nordeste. Aqui e acolá, porém, a assistência não chegava logo. Aí ocorriam saques a depósitos oficiais de alimentos ou a armazéns e bodegas particulares. Mas isso era raro. E hoje é coisa do passado. Mecanismos de transferência social de renda, como o Bolsa Família, sopraram para longe essa prática assistencialista rudimentar.
O que se deu em Abreu e Lima, e outros lugares da Região Metropolitana do Recife, em nada se parece com as antigas investidas de matutos famintos, acossados pela seca. E também não possui as carac-terísticas das revoltas urbanas, expressas em quebra-quebra, de trens, estações do metrô e ônibus, em cenas vistas quase diariamente na televisão. As imagens chocantes do saque em Abreu e Lima correram o mundo. A mídia, no entanto, não exibiu com igual intensidade o que sucedeu nos dias seguintes: a devolução de uma ruma de objetos furtados. Dezenas de pessoas, arrependidas, a entregar em lojas e delegacias de polícia geladeira, fogão, bebidas, alimentos, colchões, computadores etc. que haviam carregado do comércio. A maioria dos saqueadores, nos dois dias da greve da Polícia Militar, era gente comum. Idosos e jovens, mulheres e crianças iguais aos moradores de qualquer lugar. Não eram delinquentes. Nem integrantes de grupos criminosos ou partido político. Nada disso. Era gente que tem medo e vergonha. Medo de ser presa, diante da ágil e competente ação da Polícia, ajudada pelas imagens da tevê e pelos olhos eletrônicos espalhados em ruas e praças das cidades saqueadas.
Todavia, a 25 quilômetros de Abreu e Lima, no distrito de Cavaleiro, quase não houve devolução. Lá as redes de televisão não cobriram ao vivo a ação delituosa dos moradores... Restou à Polícia a investigação criminal envolvendo saqueadores e receptadores.
Como explicar tal comportamento coletivo?
A mídia está cheia de palpites, “eu acho isso, eu acho aquilo”... O governador de Pernambuco inovou ao contratar profissionais para analisar com profundidade o assunto. Pesquisadores vão ouvir participantes e moradores dos locais onde os saques foram mais fortes. Depois do exame do contexto econômico, social e político, de cruzamentos de dados, da interpretação das respostas etc. os especialistas esperam ter uma avaliação real das raízes e nuanças do fenômeno, marcado pela inusitada devolução de produtos em alguns lugares. Palmas para o governo. Agiu rápido na greve, que durou dois dias apenas, e agora quer razões consistentes para agir na paz. E haverá punição? As autoridades dizem que sim. Quem devolveu será perdoado? Dizem que não. As penas podem diminuir na forma da lei, como disse um delegado de polícia: “Se o crime é cometido sem violência e o bem devolvido, a pena pode ser reduzida de um a dois terços”. Que sirva de lição.
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