por Francisco
Frassales Cartaxo
A venda de pareceres técnicos foi o que mais me impressionou na Operação
Porto Seguro. No meu modo de ver, deixou em segundo plano a insinuada e
presumível intimidade entre Lula e Rose. Arranjos ilícitos em parecer técnico,
infelizmente, acontecem no serviço público. Quem tem experiência conhece como se
dá isso. Sabe por ouvir dizer, sabe por que vê o colega na repartição
escorregar na lama. Ou sabe com pleno conhecimento de causa por praticar tais
atos. Essas coisas, que se fazem às escondidas, em transações realizadas entre
o corrupto e o corruptor, vazam apesar dos cuidados. Poucas vezes, chegam à
mídia, com a força da Operação Porto Seguro.
À vista do divulgado até agora, integrantes do governo agiam sob o comando
de chefes de órgãos públicos federais com o fim de agenciar pareceres fajutos. Fajutos,
mas rendosos. Leis, decretos, instruções, normas, regulamentos formulados com a
melhor das intenções sofriam distorções para fundamentar decisões nocivas ao
interesse público que, no frigir dos ovos, serviam para engordar contas
bancárias, patrimônios pessoais. A descoberta dessas malfeitorias só foi
possível porque a Polícia Federal, o Poder Judiciário, o Ministério Público
Federal e outras entidades agiram em perfeita articulação, como tem sucedido
com centenas de operações semelhantes. Aliás, uma rotina incorporada à administração
pública brasileira, nos últimos anos, garantindo-se desdobramentos punitivos
que alcançam até mesmo altas figuras do poder.
Uma salutar rotina, sem dúvida, que anima quem alimenta a esperança de
ver o Brasil pautar-se por conduta republicana. Republicana de verdade. Não
aquela verdade pomposa, cheia de formalismo, de discurso balofo, de isenção
falsa. Não pense o leitor que falo assim, pensando nos costumes de antigamente.
Nada disso. Falo de fatos recentes, pós-ditadura, quando, por exemplo, um Procurador
Geral da República, da confiança de Fernando Henrique Cardoso, chegou a notabilizar-se
pelo excessivo apego à gaveta, ao ponto de receber o apelido de “o engavetador-mor”,
em alusão aos numerosos processos que ele engavetava, a mando dos donos do
poder. Ora, com o véu da impunidade, nada republicano, ele sequer dava a chance
ao Poder Judiciário de revelar-se, como faz agora, na quebra de paradigmas, na
análise de conduta, julgamento e condenação de pessoas, até então, acima de
qualquer suspeita. Gente que, sabe-se agora, não era só suspeita...
Nem tudo são flores, porém. Falta muito para abolir-se a impunidade. Embora
com magistrados equiparados a estrelas-pop, amados circunstancialmente pelo
povo, mesmo assim, o Judiciário ainda é visto com reservas. E com razão. Talvez
lhe falte um passo adiante. Passo firme, corajoso. Falta-lhe olhar suas mazelas
internas, a faca para cortar a própria carne. Como? Investigando com rigor a
autoridade judiciária que pratica suspeitas omissões, protelações descabidas, profere
despachos enviesados, enfim, quem vende sentença. Aliás, um desvio de conduta
tão criminoso quanto a venda de pareceres técnicos, objeto da Operação Porto
Seguro. Pior ainda: a sentença vendida é prolatada por quem tem a missão precípua
de evitar a impunidade. Sei que vai demorar. Um dia, contudo, o Brasil alcança
estágio superior e, então, nosso País será uma república de verdade.
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