Os estudantes |
Sábado a tarde eu estava estudando com meu amigo na USP e pretendíamos ficar lá até as cinco horas, quando supostamente a polícia militar e a tropa de choque -autorizada sob recente ordem judicial- iria adentrar (ou invadir, depende do ponto de vista) na cidade universitária para retirar os estudantes que recentemente haviam ocupado (ou invadido, depende do ponto de vista também) o prédio da reitoria e que já permaneciam lá a alguns dias. A ocupação no prédio público seria uma forma de protesto à recente permanência e patrulhamento da "supostamente truculenta" polícia militar no campo universitário que, segundo esses estudantes, representava uma afronta a liberdade de expressão do movimento estudantil e uma ofensa ao princípio da autonomia universitária (a polícia militar permanece a alguns meses de forma fixa no espaço universitário desde um crime trágico em que um aluno foi vítima de latrocínio)
A polícia |
Momento antes da hora marcada para o batalhão da polícia militar marchar em nosso Campus e entrar em atrito com os estudantes que ocupavam o prédio da reitoria, a ordem judicial foi prorrogada em mais de 24 horas (para segunda à noite) frustrando a possibilidade de eu e meu amigo presenciar ao vivo "e em cores" um evento que poderia marcar (ou não) a história da nossa universidade. Porém se algo havia nos frustrado subitamente, naquele mesmo dia (e de forma igualmente súbita) fomos surpreendido no sentido oposto, de forma positiva: um convite para uma trilha na Mata Atlântica que terminava em uma paradisíaca praia em Ubatuba.
Bom, se no fim o "saldo" para aquele fim de semana não foi positivo, acredito que fora no mínimo neutro! Se por um lado deixamos de presenciar um evento atípico e possivelmente histórico em nossa universidade, por outro fomos presenteados naquele mesmo dia com a possibilidade de fazer uma trilha (algo que eu não fazia há anos, a última vez foi com o meu irmão mais velho em algum lugar cheio de cachoeiras próximo a Brasília) e no meio da Mata Atlântica na região de Ubatuba (famosa praia em São Paulo que eu só tinha ido uma vez na vida), excelente.
Ficamos de nos encontrar na estação de metrô próximo à nossas casas na cidade de São Paulo, para depois de pegarmos dois metrôs, um ônibus intermunicipal e um ônibus urbano finalmente chegarmos na casa dele em São José dos Campos, cidade onde também seria o ponto de encontro da turma que iria partir no dia seguinte (domingo) bem cedo em mais de um carro para a região de Ubatuba. Como já sairmos de noite de São Paulo, chegamos bem tarde em São José dos Campos, quase meia-noite, o que era particulamente desinteressante naquela situação porque iríamos acordar bem cedo no dia seguinte (as quatro e meia, para nos encontrarmos com o pessoal a alguns quilômetros dali as cinco e meia da manhã).
Uma coisa que acho interessante destacar aqui é que como é legal e prático ter um amigo cuja mãe montou um restaurante na sua própria casa (uma coisa simples, um "caldinho" no terraço, porém bastante interessante). O que não faltou foi opção para comermos antes de dormir, entre pastel, cachorro-quente, brigadeiro, caldinho, etc, em vez do tradicional ("e sempre mesma coisa") misto quente com nescau que costumo oferecer para os meus amigos. Optei pelos deliciosos caldinhos que a mãe dele fazia, que na minha opinião não era só a melhor opção para quem tem problema de gastrite como eu, como também a opção mais saborosa (ah, e fiquei revoltado também pelo fato do "devagar" do meu amigo não gostar de caldinhos, apesar de ter a vontade em sua própria casa!).
Partimos de manhã, saímos as cinco de carona com a mãe do meu amigo e chegamos quase que pontualmente as cinco e meia no ponto de encontro com a turma. De lá partimos para Ubatuba em uma viagem de carro que deve ter durado acho que umas duas horas ou mais para chegarmos no lugar onde se organizava trilhas no meio da Mata Atlântica. Na minha bolsa de ombro constava quatro garrafas de água (totalizando 2 litros), alguns biscoitos salgados, barras de cereais e uma câmera. Acho que seria suficiente para a caminhada na trilha que tinha previsão de pelo menos duas horas e meia, fora o tempo que passaríamos na praia "deserta" depois de cumprirmos o caminho.
Antes de entrar na trilha assinamos um contrato que enfatizava que os organizadores não tinham responsabilidade sobre os imprevistos que poderiam ocorrer eventualmente durante o passeio, tais como acidentes, quedas, torção no tornozelo, afogamentos, picada de inseto, fraturas e mortes, entre outras "coisinhas". O contrato era tão detalhado nesses tais "imprevistos" as quais eles não seriam responsáveis, que tive a impressão que estávamos vendendo nossa alma e não partindo para uma simples caminhada numa trilha (depois fui entender que ali também se praticava esportes radicais, e não apenas "tranquilas" trilhas, daí a lógica do aparente "exagero" no contrato).
Como o grupo organizador das atividades locais era evangélico, foi feita uma oração no momento em que nos reuníamos em círculo para alongamento e apresentações pessoais (somente o nome mesmo), éramos pelo menos 20 pessoas, mais um organizador (do grupo evangélico) e um guia (nativo do local). Algo que surpreendeu o organizador, não só ele como os demais presentes, foi o fato de que entre as vinte pessoas eu era o único que não estava de tênis ou com bota, e sim completamente "descalço".
Não seria a primeira vez em que eu faria uma trilha descalço, em minha última trilha (próxima a Brasília, que citei no início deste texto) a percorri da mesma forma! Enquanto os brasilienses (e pessoas das demais regiões do país, talvez até do Piauí! rs) reclamavam "do alto de seus tênis" da dificuldade de percorrer aquela longa extensão, eu e meu irmão mais velho -como bons e legítimos maranhenses- fazíamos a trilha com tranqüilidade; apesar da dificuldade de sermos realmente os únicos a nos aventurarmos com os pés despidos em um caminho que particularmente o solo não era de terra, e sim formados por inúmeras pedrinhas e pedregulhos.
Como ocorreu em Brasília, a situação agora em São Paulo novamente rendeu boas histórias! Começando pelo organizador. Diante da surpresa dele quando se dirigiu a mim enquanto nos alongávamos deu até a impressão que seria a primeira vez que alguém se arriscaria descalço por lá! Só impressão, claro!... não é possível que algum outro maranhense no mundo nunca tenha aparecido naquelas bandas hahah
Durante o alongamento, os comentários “pré-trilha” inspiravam um pouco de apreensão, iam desde que a trilha era muito extensa (entre duas ou três horas de deslocamento em ritmo normal) passando que esta era classificada como médio-difícil ou na ênfase do risco que assumíamos! Já que ocorrendo qualquer problema com qualquer pessoa no caminho não haveria suporte para socorrê-la e nem mesmo isso era obrigação dos organizadores, visto que todo mundo recebera o contrato e, pelo menos em tese, deveria está ciente de que “quase vendera sua alma aos organizadores” ao assinar.
Avançamos por um caminho de terra suave antes de chegar na trilha propriamente dita, durante este curto caminho mais uma vez o organizador me abordou, dizendo que eu não sabia como era a trilha, que não era algo simples e que provavelmente eu não chegaria até o final sem um calçado apropriado. E que era melhor desistir agora, do que ter que desistir pelo meio do caminho e voltar sozinho. Bom, tentei me explicar que já tinha feito isso sem erros em outra oportunidade (a trilha de Brasília), mas o organizador pensou que eu não o estava levando muito a sério, fez uma cara de menosprezo misturada com “ok, você é quem sabe!” e se afastou.
Bom, querendo ou não, tive a tranqüilidade um pouco abalada. Mas o que essa trilha poderia ter de tão “pesado”? Levando em consideração que em minha última trilha o chão era de pedras e pedregulhos que assolavam bastante o pé, não conseguia imaginar um caminho muito pior do que esse (cacos de vidro ou espinhos talvez, mas minha bolsa carregava um par de chinelos discretamente que poderia ajudar nesse caso). E em relação à extensão ou obstáculos difíceis de transpor, tenho certeza que meu amigo –por exemplo- “pediria água” bem antes do que eu, hahaha.
Depois da curta caminhada, observamos um estreito caminho no meio do mato que significava o início da trilha! O engraçado é que quando o pessoal viu que eu realmente iria me aventurar descalço, isso causou um certo furor. O assunto repercutiu bastante e muitos ficaram incrédulos. Alguns mais exaltados (que eu nem mesmo conhecia, amigo do amigo do amigo) não resistiram em fazer algumas piadas, principalmente uns “bombadinhos” mais convencidos que -como se diz no diálogo popular- “se achavam o tal” e que possivelmente queriam se exibir para a namorada ou para os amigos, certo que eu iria “pedir água”.
Achei engraçado e fiquei surpreso com a repercussão que algo que pra mim tão banal havia causado! Não só naquele momento, mas também mais pra frente o assunto iria repercutir bastante, com as pessoas se indagando ou se impressionando com a não desistência de “pézinho” durante o caminho – alcunha que observei ser utilizada algumas vezes e que não gostei tanto! (risos)
A trilha em si, mostrou que muito da apreensão foi desnecessária. Era um longo caminho percorrendo morros litorâneos em mata fechada, com alguns obstáculos, porém não tão difíceis; como transpor pequenos córregos, declive ou inclinações. Fora o fato de várias partes do caminho ser ascendente, o que aumenta a necessidade de uma boa disposição física (mais tarde também éramos compensados com um pouco de trajeto descendente para descansar um pouco também hahaha).
As duas horas e meia de trilha percorri normalmente sem grandes surpresas pelo caminho. (Tirando o fato de uma vez que vi um pequeno, traiçoeiro e muito discreto caule de espinhos no chão! E torci que se fosse para pisar em um, pelo menos fosse já ao fim da trilha, e não no começo ou no meio). Se por um lado, não vimos nenhum animal silvestre, por outro era agradável o fato de estarmos no meio da Mata Atlântica e vez ou outra termos a visão da praia que em distância nós costeávamos.
Várias vezes tive que me afastar do meu amigo com quem eu caminhava próximo porque ele se cansava e não conseguia prosseguir no mesmo ritmo. Não só meu amigo como algumas pessoas não conseguiam acompanhar (principalmente nas partes mais inclinadas e ascendentes) e acabavam forçando uma parada geral de descanso.
Até mesmo os “bombadinhos” do início estavam moles em algumas partes! Essa foi a hora que a vontade de “tirar uma satisfação” subiu a minha cabeça, não só tinha conseguido a algum tempo calar a chacota iniciada por eu está sem tênis ou bota, como em alguns momentos eu os ultrapassava pelo pouco espaço lateral quando eles perdiam o vigor (algumas subidas). Acelerava o passo até alcançar o guia (nativo do local que sempre estava na ponta da frente porque direcionava o caminho) e tentava voltar para o meu amigo (bem atrás, quase na outra ponta) quando a marcha parava. As antigas piadas até mudaram de tom para comentários do tipo “pô, pezinho, mas também não humilha, né” em tom meio de zombaria quando eu os ultrapassava na trilha. Só sei que ao conseguir chegar firme ao fim da trilha (e graças a deus nenhum espinho no pé), minha necessidade de desforra estava cumprida, ninguém pediu para esses seres despertarem a fúria do pequeno maranhense aqui. Em mais uma ocasião o Maranhão vencia! (risos).
O fim da trilha não poderia ser mais recompensador, todo nós desembocamos (uns antes, outros um pouquinho depois) numa praia em uma deserta e paradisíaca enseada, acho que já era por volta do meio-dia ou uma hora. Um lugar tão bonito que acredito que, desculpa o clichê, uma imagem (ou várias) valeriam mais do que mil palavras. Além de nadarmos no local, tomarmos sol e admirarmos a paisagem, tiramos várias fotos que podem ser vistas no final deste texto (não só da praia como o percurso da trilha em si). O legal do lugar também é que tinha umas pedras bem grandes bem legais de subir para sentir e admirar a paisagem, tirei várias fotos nelas também!
Passamos o resto da tarde por lá, comemos o que trouxemos na bolsa (nossa, como queria ter trago mais do que 2 litros de água) e ficamos no local até as quatro horas. Na hora da volta tínhamos duas opções: ou voltávamos novamente pela trilha ou voltávamos dessa vez pelo mar (numa canoa que vinha buscar e levava o pessoal de volta em mais de uma viagem para dá conta de todo mundo). Meu amigo não tinha mais disposição de encarar a trilha novamente, por isso acabamos voltando de barco: eu, ele e mais um casal de amigos (o que eu achei excelente, não só pela paisagem, mas pelos meus pés descalços que talvez não tolerassem mais uma segunda vez, risos).
Antes de voltarmos para São José dos Campos, fizemos uma pequena refeição ainda em Ubatuba, a qual comemos cação. Uma interessante observação para mim é o fato de que o mar em Ubatuba (e talvez em todo Sudeste) é realmente azul, o que não acontece no Maranhão. Quando criança, eu não entendia porque se pintava o mar de azul, para mim azul era cor da piscina e não do mar! E o mar que eu conhecia eu não conseguia achar uma cor que correspondesse a ele entre os meus lápis de cores, porque no Maranhão a cor do mar é naturalmente meio parda. Acontece isso, acredito eu, devido a proximidade com a foz do Rio Amazonas que despeja uma grande quantidade de sedimentos no oceano. Depois de comermos o peixe, levamos mais algumas horas para voltarmos para São José (chegamos já de noite) e mais outras várias horas para chegarmos de volta a São Paulo. Aqui no final do texto segue algumas fotos da viagem.
(Ah, uma coisa interessante de destacar, fiz uma pesquisa posterior no Google e descobrir que essa história de dizer que a trilha que nós estávamos fazendo se classifica como “médio-difícil” é tudo conversa fiada da turma lá, que pelo visto eles devem ser meio moles. Pesquisei a respeito da trilha [trilha da Praia Saco das Bananas em Ubatuba] e -muito pelo contrário- ela se classifica como “fácil”. As demais trilhas locais que se classificam como médio ou difícil tem pelo menos umas cinco horas de duração [ou bem mais] e obstáculos bem mais difíceis de transpor [não que nossos obstáculos não fossem difíceis, mas também não eram nada muito assustador).
Nada como admirar a natureza! |
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