terça-feira, 11 de março de 2014
sexta-feira, 7 de março de 2014
Carnaval da Bahia: Aécio é vaiado!
Por Altamiro Borges - Blog do Miro:
O folião Aécio Neves, o cambaleante presidenciável do PSDB, nem pode curtir o carnaval em paz. Na semana passada, ele recebeu sonora vaia durante o desfile do Pinto da Madrugada, em Maceió (AL). Nessa sexta-feira (28), o tucano foi novamente hostilizado, segundo relata o sítio do Jornal do Brasil:
O folião Aécio Neves, o cambaleante presidenciável do PSDB, nem pode curtir o carnaval em paz. Na semana passada, ele recebeu sonora vaia durante o desfile do Pinto da Madrugada, em Maceió (AL). Nessa sexta-feira (28), o tucano foi novamente hostilizado, segundo relata o sítio do Jornal do Brasil:
"O prefeito de Salvador ACM Neto (DEM) passou por um momento constrangedor ao receber o atrasado pré-candidato à presidência da República, o senador Aécio Neves, no camarote oficial da prefeitura municipal, localizado no Campo Grande. Aos chegar acompanhado por diversos quadros políticos da oposição baiana aos projetos federal e estadual dos petistas, a multidão vaiou. Os urros foram silenciados após insistentes pedidos de Baby do Brasil e Paulino Boca de Cantor".
Ainda segundo a reportagem, o tucano até tentou disfarçar a sua raiva, "virou as costas para os foliões e concedeu entrevista". Mas a cena constrangedora deve ter tido o impacto de um bafômetro nas ruas cariocas. Pelo jeito, o carnaval de 2014 não trará boas recordações ao senador mineiro. No mesmo dia, ele soube que não terá palanque no Rio de Janeiro, já que o técnico de vôlei Bernardinho rejeitou seu convite para ser candidato ao governo estadual. Em Minas Gerais, seu Estado de origem - embora pouco visitado - a situação do PSDB também é complicada e a legenda "suplica" por apoio.
No caso da Bahia, os tucanos também não terão chapa própria e Aécio Neves ainda não sabe quem ele vai apoiar - se Paulo Souto, do DEM, ou Geddel Vieira Lima, do PMDB.
Ainda segundo a reportagem, o tucano até tentou disfarçar a sua raiva, "virou as costas para os foliões e concedeu entrevista". Mas a cena constrangedora deve ter tido o impacto de um bafômetro nas ruas cariocas. Pelo jeito, o carnaval de 2014 não trará boas recordações ao senador mineiro. No mesmo dia, ele soube que não terá palanque no Rio de Janeiro, já que o técnico de vôlei Bernardinho rejeitou seu convite para ser candidato ao governo estadual. Em Minas Gerais, seu Estado de origem - embora pouco visitado - a situação do PSDB também é complicada e a legenda "suplica" por apoio.
No caso da Bahia, os tucanos também não terão chapa própria e Aécio Neves ainda não sabe quem ele vai apoiar - se Paulo Souto, do DEM, ou Geddel Vieira Lima, do PMDB.
segunda-feira, 3 de março de 2014
"CAI O CASTELO DE CARTAS DO MINISTRO BARBOSA"
Em artigo exclusivo para o 247, o jornalista Breno Altman narra a derrota jurídica de Joaquim Barbosa, aponta seus inacreditáveis insultos que atingem até a presidente Dilma Rousseff – um deles configurando crime de Estado – e prevê o fracasso de sua aventura política; "O ministro Barbosa afunda-se em um pântano de mentiras e artimanhas antes de ter dado sequer o primeiro passo para atravessar a praça rumo ao Palácio do Planalto", diz ele; sobre seu destino, um vaticínio: "Ao final dessa jornada, o chefe atual da corte suprema sucumbirá ao ostracismo próprio dos anões da política e da justiça";
Por Breno Altman, especial para o 247
As palavras finais do presidente da corte suprema, depois da decisão que absolveu os réus da AP 470 do crime de quadrilha, soaram como a lástima venenosa de um homem derrotado, inerte diante do fracasso que começa a lhe bater à porta. A arrogância do ministro Barbosa, abatida provisoriamente pelo colegiado do STF, aninhou-se em ataque incomum à democracia e ao governo.
"Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo", discursou o relator da AP 470. "Esta maioria de circunstância foi formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no segundo semestre de 2012."
Sua narrativa traz uma verdade, um insulto e uma fantasia.
Tem razão quando vê risco de desmoronamento do processo construído sob sua batuta. A absolvição pelo crime de quadrilha enfraquece fortemente a acusação. Se não há bando organizado, perde muito de sua credibilidade o roteiro forjado pela Procuradoria Geral da República e avalizado por Barbosa. A peça acusatória, afinal, apresentava cada passo como parte minuciosa de um plano concebido e executado de forma coletiva, além de permanente, com o intuito de preservação do poder político. Se cai a tese de quadrilha, mais cedo ou mais tarde, as demais etapas terão que ser revistas. Essa é a porção verdadeira de sua intervenção matreira.
A raiva de Barbosa justifica-se porque, no coração desta verdade, está a neutralização da principal carta de seu baralho. O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas materiais ou testemunhais, como bem salientou o jurista Ives Gandra Martins, homem de posições conservadoras e antipetistas. A base de sua criminalização foi uma teoria denominada "domínio do fato": mesmo sem provas, Dirceu era culpado por presunção, oriunda de sua função de líder da eventual quadrilha. Absolvido do crime fundante, a existência de bando, como pode o histórico dirigente petista estar condenado pelo delito derivado? Se não há quadrilha, inexiste liderança de tal organização. A própria tese condenatória se dissolve no ar. O que sobra é um inocente cumprindo pena de maneira injusta e arbitrária.
Derrotado, Barbosa recorreu a um insulto: acusa o governo da República de ter ardilosamente montado uma "maioria de circunstância", como se a fonte de sua indicação fosse distinta dos demais. Aponta o dedo ao Planalto sem provas e sem respeito pela Constituição. Atropela a independência dos poderes porque seu ponto de vista se tornou minoritário. Ao contrário da presidente Dilma Rousseff, que manteve regulamentar distância das decisões tomadas pelo STF, mesmo quando eram desfavoráveis a seus companheiros, incorre em crime de Estado ao denunciar, através de uma falácia, suposta conspiração da chefe do Executivo.
A conclusão chorosa de seu discurso é uma fantasia. Não se pode chamar de "trabalho primoroso" uma fieira de trapaças. O presidente do STF mandou para um inquérito secreto, inscrito sob o número 2474, as provas e laudos que atestavam a legalidade das operações entre Banco do Brasil, Visanet e as agências de publicidade do sr. Marcos Valério. Omitiu ou desconsiderou centenas de testemunhas favoráveis à defesa. Desrespeitou seus colegas e tratou de jogar a mídia contra opiniões que lhe contradiziam. Após obter sentenças que atendiam aos objetivos que traçara, lançou-se a executá-las de forma ilegal e imoral.
O ministro Joaquim Barbosa imaginou-se, e nisso há mesmo um primor, como condutor ideal para uma das maiores fraudes jurídicas desde a ditadura. Adulado pela imprensa conservadora e parte das elites, sentiu-se à vontade no papel do pobre menino que é glorificado pela casa grande por suas façanhas e truques para criminalizar o partido da senzala.
O presidente do STF lembra o protagonista da série House of Cards, que anda conquistando corações e mentes. Para sua tristeza, ele está se desempenhando como um Frank Underwood às avessas. O personagem original comete incríveis delitos e manobras para chegar à Presidência dos Estados Unidos, derrubando um a um seus adversários. O ministro Barbosa, porém, afunda-se em um pântano de mentiras e artimanhas antes de ter dado sequer o primeiro passo para atravessar a praça rumo ao Palácio do Planalto.
Acuado e sentindo o constrangimento de sua nudez político-jurídica, o ministro atira-se a vinganças, recorrendo aos asseclas que irregularmente nomeou, na Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, como feitores das sentenças dos petistas. Delúbio Soares teve o regime semiaberto suspenso na noite de ontem. José Dirceu tem contra si uma investigação fajuta sobre uso de aparelho celular, cujo único propósito é impedir o sistema penal que lhe é devido. O governo de Brasília está sendo falsamente acusado, com a cumplicidade das Organizações Globo, de conceder regalias aos réus.
O ódio cego de Barbosa contra o PT e seus dirigentes presos, que nenhuma força republicana ainda se apresentou para frear, também demonstra a fragilidade da situação pela qual atravessam o presidente do STF e seus aliados. Fosse sólido o julgamento que comandou, nenhuma dessas artimanhas inquisitoriais seria necessária.
O fato é que seu castelo de cartas começou a ruir. Ao final dessa jornada, o chefe atual da corte suprema sucumbirá ao ostracismo próprio dos anões da política e da justiça. Homem culto, Barbosa tem motivos de sobra para uivar contra seus pares. Provavelmente sabe o lugar que a história reserva para quem, com o sentimento dos tiranos, veste a toga dos magistrados.
sábado, 1 de março de 2014
Os testemunhos das mulheres que ousaram combater a Ditadura Militar
A Comissão Nacional da Verdade, criada para elucidar crimes cometidos durante o período acaba de completar um ano. Antes de seu encerramento em 2014, tem como uma de suas principais missões contar o que sofreram as mulheres que foram contra o regime. São brasileiras hoje na faixa do 60 anos, como as ouvidas por Marie Claire: vítimas de estupros, choques nos mamilos, ameaças aos filhos, abortos...
Em pé sobre uma cadeira, nua, encapuzada e enrolada em fios, Ana Mércia Silva Roberts, então com 24 anos, esforçava-se para manter os braços abertos, sustentando uma folha de papel presa entre os dedos de cada mão. Ela estava naquela posição havia horas. A cada vez que o cansaço lhe fazia baixar minimamente os braços, um choque elétrico percorria todo seu corpo. E as gargalhadas preenchiam a pequena sala. Eram vários homens, talvez oito, talvez dez. Cada um com um rosto, uma história, uma vida. “Um dos meus torturadores poderia ser meu avô, um senhor de gravata-borboleta para quem eu daria lugar no ônibus; o outro era um loiro com chapéu de caubói. Havia um homem com jeito de pai compreensivo que chegou a me dar um chocolate, e um jovem bonito com longos cabelos escuros, que andava de peito nu, ostentando um crucifixo, de codinome Jesus Cristo”, afirma.
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O rosto desses algozes, integrantes da repressão militar, e as cenas do dia em que teve de ser estátua viva perante eles são parte das lembranças que Ana Mércia, hoje 66, guarda de quase três meses de prisão noDOI-Codi e no Dops, dois centros paulistanos de tortura e prisão de oposicionistas ao regime militar, instaurado sete anos antes. Integrante do Partido Operário Comunista, ela esteve nos porões da ditadura em 1971, mesma época em que o País vivia a prosperidade do“milagre econômico” e o ufanismo alimentado pela conquista da Copa de 70 e por slogans como “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Nos meses em que ficou encarcerada, seu corpo e mente foram massacrados de diversas formas. Mas não é ao descrevê-las que seus olhos ficam marejados. “Estranhamente, eu não me lembro de quase nada daquelas semanas, meses. Fiz terapia, mas não consigo recuperar esses trechos da minha vida. O que mais me dói é isso. Vários pedaços de mim e da minha existência não me pertencem, ficaram com eles (os militares)”. Ana Mércia é uma mulher com pouca memória das torturas daqueles porões. E é também uma metáfora do próprio Brasil, que segue desmemoriado das histórias do regime militar (1964 a 1985) quase 30 anos depois do fim da ditadura. A diferença entre Ana Mércia e o Brasil é que ao País foi dada a chance de recuperar e registrar os detalhes de sua história. É essa a missão da Comissão Nacional da Verdade, criada pela presidenta Dilma Rousseff (ela mesma vítima de torturas do Estado) e que tornou acessíveis uma série de papéis até então secretos. Desde maio de 2012, 19 milhões de páginas de documentos foram retirados de seus arquivos e estão em análise, e cerca de 350 pessoas foram ouvidas. É um movimento delicado e, para muitos, atrasado. Até então, o Brasil já havia debatido por anos como lidar com a violência da época.
A Ordem dos Advogados do Brasil chegou a pedir, em 2008, a revisão da Lei da Anistia, que perdoava todos os “crimes políticos” e beneficiava também torturadores, mas teve o pedido negado pela Justiça. Da sua parte, grupos militares se opunham à quebra de sigilo e à própria Comissão por temer uma caça às bruxas. Foi depois de muito diálogo que se chegou à fórmula de um grupo de trabalho com ênfase na transparência: a Comissão da Verdade pode acessar qualquer documento que considerar importante e tem o poder de convocar pessoas para depor, mas não de julgá-las. Do primeiro ano de trabalho, emergiram as conclusões de que a tortura começou em 1964, pouco depois do golpe, e ocorreu em pelo menos sete estados diferentes. Nesse pouco tempo, o Estado brasileiro admitiu que os assassinatos do deputado Rubens Paiva e do jornalista Vladimir Herzog foram obra de seus agentes, e descortinou o recrutamento e o extermínio de tribos indígenas da Amazônia pelos militares.
Tudo isso dá contornos mais nítidos à história recente do País, mas o grupo ainda tem muito a contar até dezembro de 2014, quando os trabalhos serão encerrados. Uma das principais incumbências da Comissão é esclarecer a participação das mulheres na resistência à ditadura e as torturas a que foram submetidas. “Acreditamos que as mulheres sofreram violências específicas, sexuais, motivadas também por machismo, que buscavam destruir a feminilidade e a maternidade delas”, afirma Glenda Mezarobba, uma das coordenadoras do grupo Ditadura e Gênero, que investiga o assunto na Comissão da Verdade. Os trabalhos ainda não possuem conclusões definitivas, mas há fortes indícios do que pode ter acontecido às brasileiras durante as duas décadas de regime militar. “Hoje, trabalhamos com um número de 500 mortos pela ditadura, 50 deles seriam mulheres. Mas sabemos que os dois números estão subestimados”, afirma Glenda, empenhada em refazer a estatística.
A quantidade de processos reclamando anistia sugere que esse número é muito maior. Desde 2001, o Ministério da Justiça recebe pedidos de indenização de brasileiros que, de alguma maneira, tiveram a vida marcada pelo regime militar. São parentes e vítimas de violência ou pessoas que, por motivo exclusivamente político, ficaram impedidas de trabalhar. Hoje, o órgão contabiliza mais de 73 mil pedidos. Mais de 40 mil já foram aceitos. As mulheres foram fundamentais no combate ao regime em todas as suas fases. Seu engajamento nos movimentos pela anistia dos presos políticos, que muitas vezes culminaram com passeatas exclusivamente femininas, são a parte mais conhecida dessa militância. Mas, nas organizações de esquerda Ditadura, elas também foram importantes.Guardavam armas e abrigavam militantes (aliás eram preferidas para essa função, pois levantavam menos suspeitas), traduziam jornais comunistas estrangeiros, participavam das aulas de doutrinas ideológicas, da elaboração dos planos de assaltos e sequestros, tinham aulas de tiro e muitas foram a Cuba fazer curso de guerrilha. Nas organizações clandestinas, chegaram a dirigentes.
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“Era preciso que houvesse uma mulher em cada esconderijo, para manter a aparência de uma casa normal”, afirma Glenda. Elas também agregavam uma faceta afetiva e familiar às organizações, muitas foram mães na clandestinidade ou na cadeia. Na descrição feita pela psicóloga argentina, naturalizada brasileira, Maria Cristina Ocariz, a mulher militante parece a expressão viva da frase do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara: “hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”. “Elas tinham a mesma garra que os homens. Perdiam companheiros, assassinados pelo regime, e ainda assim seguiam na luta, não por frieza, mas por convicção ideológica de poder construir um mundo melhor para seus filhos.” Cristina, que hoje coordena a Clínica do Testemunho Instituto Sedes Sapientiae em São Paulo, um serviço que oferece espaço para reparação psicológica aos afetados por ditaduras, fez parte da resistência aos militares argentinos antes de se exilar no Brasil. Na juventude, na década de 70, ela deixava seu bebê de 1 mês nos braços da mãe, em Buenos Aires, ia a manifestações e corria para casa a tempo de amamentar seu filho. Quando eram presas, as mulheres tinham pela frente não apenas a tortura, mas também o sexismo e a violência sexual. “É claro que ser mulher fazia diferença. Porque ainda que os homens torturados também tivessem de ficar nus, eles tiravam as roupas na frente de outros homens. A mulher ficava nua diante dos olhos cobiçosos e jocosos daqueles homens, essa era a primeira violência”, afirmaTatiana Merlino, organizadora do livro "Luta, Substantivo Feminino", publicado em 2010 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que descreve o assassinato de 45 mulheres militantes.
NUDEZ E TORTURA
“A primeira coisa que eles fizeram quando entrei na sala de depoimento foi me mandar tirar a roupa, eu já fiquei apavorada”, afirma Ana Maria Aratangy, de 66 anos. “Eu não esperava por aquilo. Eu mesma fui tirando a roupa, achei que era melhor do que deixá-los arrancar. Acho que foi pior do que as torturas que vieram depois”. Ana Maria era membro do Partido Operário Comunista quando foi presa, aos 24 anos, e estava grávida de algumas semanas, mas não sabia. Estudante do sexto ano de medicina, ela afirma que sua militância era tímida:guardava duas armas em casa e tinha leituras consideradas
subversivas. Nem sequer conhecia os líderes do POC. Até por isso, não teve muito a dizer quando vieram os choques nos mamilos e os tapas no rosto. Tampouco pôde conter os gritos. Enquanto gritava, sua mãe, que havia sido presa junto com ela, ouvia da sala ao lado. Ana Maria só saiu da prisão aos cinco meses de gestação. Sua filha, hoje, tem 41 anos.
“A primeira coisa que eles fizeram quando entrei na sala de depoimento foi me mandar tirar a roupa, eu já fiquei apavorada”, afirma Ana Maria Aratangy, de 66 anos. “Eu não esperava por aquilo. Eu mesma fui tirando a roupa, achei que era melhor do que deixá-los arrancar. Acho que foi pior do que as torturas que vieram depois”. Ana Maria era membro do Partido Operário Comunista quando foi presa, aos 24 anos, e estava grávida de algumas semanas, mas não sabia. Estudante do sexto ano de medicina, ela afirma que sua militância era tímida:guardava duas armas em casa e tinha leituras consideradas
subversivas. Nem sequer conhecia os líderes do POC. Até por isso, não teve muito a dizer quando vieram os choques nos mamilos e os tapas no rosto. Tampouco pôde conter os gritos. Enquanto gritava, sua mãe, que havia sido presa junto com ela, ouvia da sala ao lado. Ana Maria só saiu da prisão aos cinco meses de gestação. Sua filha, hoje, tem 41 anos.
“Depois de nos colocarem nuas, eles comentavam a gordura ou a magreza dos nossos corpos. Zombavam da menstruação e do leite materno. Diziam ‘você é puta mesmo, vagabunda’”, afirma Ana Mércia. As violências que seguiam incluíam, em geral, choques nas genitálias, palmatórias no rosto, sessões de espancamento no pau de arara, afogamentos ou torturas na cadeira do dragão, cujo assento era uma placa de metal que dava descargas elétricas no corpo amarrado do prisioneiro. Mas com as mulheres era diferente. “Havia uma voracidade do torturador sobre o corpo da torturada”, afirma a psicóloga Maria Auxiliadora Arantes, cuja tese de doutorado sobre tortura no Brasil será publicada este ano. “O corpo nu da mulher desencadeia reações no torturador, que quer fazer desse corpo um objeto de prazer.”
Foi exatamente o que viveu Ieda Seixas, de 65 anos. Aos 23, ela foi presa por causa da militância do pai, operário. Demorou muito tempo para ser capaz de relatar o que passou. E, quase 40 anos depois, não consegue conter as lágrimas ao descrever: “Levaram-me para um banheiro durante a noite, no DOI-Codi, eram uns dez homens. Fiquei sentada em um banco com dois deles me comprimindo, um de cada lado. Na minha frente, em uma cadeira, sentou um cara que chamavam de Bucéfalo. Ele me dava muito tapa na cara, a minha cabeça virava de um lado para o outro, mas eu nem sentia, porque um dos homens que estava sentado ao meu lado não parava de passar a mão em mim, colocou os dedos em todos os meus orifícios. Era tão terrível que eu pedia: ‘Coloquem-me no pau de arara’. Mas aquele homem dizia: ‘Não, gente. Não precisa levar essa aqui para o pau de arara. Comigo ela vai gozar e vai falar’.
Todos riam. Naquela noite, se eu tivesse tido meios, teria tentado me matar.” O suicídio pode ter sido o destino de outras mulheres que não conseguiram suportaram a violência sexual. Segundo Luci Buff, da Comissão da Verdade, começam a aparecer informações de que até mesmo freiras teriam sido estupradas por militares. Amélia Teles, de 68 anos, relata que não foi capaz de conter o vômito ao ver que o torturador ejaculava sobre seu corpo nu e ferido, depois de masturbar-se olhando para a vítima, amarrada na cadeira do dragão. Militante do Partido Comunista, ela tinha dois filhos, de 5 e 4 anos, quando foi presa, em 1972. O assédio sexual do torturador não foi a pior parte. Em um dos dias na prisão, depois de ser exaustivamente torturada Amélia viu a porta da sala se abrir e seus dois filhos entrarem. “Foi a pior coisa do mundo. Eu, amarrada (nua) na cadeira do dragão, sem nem poder abraçá-los. A minha filha me perguntou: ‘Mãe, por que você está azul?’. Eram as marcas dos hematomas, do sangue pisado, espalhados pelo meu corpo”, afirma Amélia. “Eles foram claros comigo: para manter meus filhos vivos, eu teria que colaborar com eles.” Os dois filhos hoje são adultos. Passaram por terapia e guardam apenas fragmentos de memória de sua visita ao DOI-Codi. Nenhum quis ter filhos. Amélia credita esse fato ao trauma na infância.
Agredir crianças para atingir a mãe não era um recurso excepcional. Nem sequer as mulheres grávidas eram poupadas. Em 1974, com uma barriga de seis meses de gestação, a militante do grupo revolucionário MR-8 Nádia Nascimento foi presa, junto com o seu companheiro, em São Paulo. “Já foram logo me dizendo que filho de comunista não merecia nascer. Arrancaram minha roupa na frente do meu companheiro, que já estava muito machucado pela tortura, e perguntavam se ele queria que me torturassem, diziam que dependia dele. Ameaçaram me estuprar na frente dele, mesmo grávida. Até que,em um dado momento, me colocaram na cadeira do dragão. Ali, comecei a sangrar por causa dos choques e perdi meu filho”, conta Nádia, que teve uma série de complicações médicas decorrentes do aborto provocado e da falta de cuidados hospitalares. A criança se chamaria Lucas e hoje teria 39 anos de idade.
Também presa aos seis meses de gestação, Criméia de Almeida, de 67 anos, conseguiu manter seu filho na barriga, a despeito das torturas. Quando a bolsa estourou, na cela solitária que ela ocupava em uma carceragem do exército em Brasília, dezenas de baratas que habitavam o lugar começaram a subir por suas pernas, alvoroçadas por se alimentar do líquido amniótico. Embora pedisse ajuda, teve de esperar horas até ser transferida a um hospital. Lá, a ex-guerrilheira do Araguaia, que havia trabalhado como parteira na Amazônia,teve as pernas e os braços amarrados. “Quando o bebê nasceu, já o levaram para longe de mim. E o médico me costurou sem anestesia, eu gritava de dor. Daí passaram a usar meu filho para me torturar. Passavam dois dias sem trazê-lo para mamar. Quando ele vinha, estava com soluço, magro, morto de fome. Ele nasceu com quase 3,2 kg. Mas com um mês de vida pesava apenas 2,7 kg. Na infância, ele tinha muitos pesadelos, chegou a ter convulsões. É claro que ficaram traumas em todos nós. Quando eu estava presa e ouvia o tilintar de chaves na carceragem, que significava que alguém seria torturado, o bebê começava a soluçar dentro do útero. Hoje, aos 40 anos, João Carlos ainda soluça toda vez que fica estressado”, afirma Criméia.
Ele não conheceu o pai, André Grabois,que até hoje é considerado desaparecido político. Criméia não teve a chance de enterrar seu companheiro. É provável que André tenha sido assassinado pelos militares durante a guerrilha do Araguaia – movimento comunista na região amazônica combatido pelo governo entre 1972 e 1974, no qual acredita-se que os militares tenham lançado bombas de Napalm, o mesmo químico usado no Vietnã, de acordo com mais uma revelação recente da Comissão da Verdade. Sorridente até ali, em um evento sobre educação internacional para mulheres, a ministra das mulheres, Eleonora Menicucci, ganhou um semblante pesado ao ser indagada por Marie Claire sobre sua história na ditadura. Quando foi presa, em 1971, tinha apenas 22 anos e uma filha de 1 ano e 10 meses. Para forçála a dar informações de sua atividade política, os militares colocaram a menina, Maria, apenas de fralda, no frio. A criança chorava e os torturadores ameaçavam dar choques nela. Ieda Seixas, que foi aprisionada na mesma cela que a atual ministra logo depois dessa sessão de tortura, afirma: “A Eleonora andava como um animal enjaulado, de um lado para o outro, e dizia ‘minha filha, minha filha’. Tinha os olhos esbugalhados, passava a mão pelos cabelos com desespero, parecia que ia explodir. Era mais do que estar transtornada, ela estava em estado de choque”.
Sobre a experiência, a ministra diz: “A Maria superou tudo e hoje é uma vencedora. Eu também superei. Tive outro filho que me deu a certeza de que o que fiz foi correto e me mostrou que eu ainda era capaz de ser mãe mesmo depois de todas as torturas que sofri. Mas, ainda assim, relembrar isso é muito sofrido. Acho que cada um resolve à sua maneira. A Maria aprendeu a lidar com isso com mais liberdade e menos sofrimento. Eu, tudo o que tinha de falar, eu falei. Porque o pior não é a tortura física, mas a psicológica, a ameaça. As ameaças que faziam comigo de torturar a Maria na minha frente eram tão pesadas que talvez fossem mais fortes do que a própria tortura em si”.
O FUTURO
É com essa mesma memória que o Brasil tenta aos poucos lidar. A abertura dos arquivos e os depoimentos, que pode resultar em processos contra os torturadores, não são as únicas manifestações. No cinema, "Hoje", filme da diretora Tata Amaral, mostra o quão atual é nossa dívida com a história. A protagonista do longa, vivida pela atriz Denise Fraga, é uma ex-militante de esquerda cujo marido foi morto pelos militares. Ela recebe uma indenização pela morte dele e compra um apartamento, mas, no dia da mudança, o desaparecido ressurge. A figura do retorno mostra como é difícil seguir em frente sem resolver o passado. É assim no filme e na vida de Criméia, Amélia, Ieda, Ana Mércia e Ana Maria. “Ao fazer "Hoje", me deparo com uma sociedade que permite que sua memória seja roubada. E que aceita que, neste momento, alguém esteja sendo torturado numa prisão brasileira. Será que em algum momento a gente vai dizer: ‘Chega!’?”
É com essa mesma memória que o Brasil tenta aos poucos lidar. A abertura dos arquivos e os depoimentos, que pode resultar em processos contra os torturadores, não são as únicas manifestações. No cinema, "Hoje", filme da diretora Tata Amaral, mostra o quão atual é nossa dívida com a história. A protagonista do longa, vivida pela atriz Denise Fraga, é uma ex-militante de esquerda cujo marido foi morto pelos militares. Ela recebe uma indenização pela morte dele e compra um apartamento, mas, no dia da mudança, o desaparecido ressurge. A figura do retorno mostra como é difícil seguir em frente sem resolver o passado. É assim no filme e na vida de Criméia, Amélia, Ieda, Ana Mércia e Ana Maria. “Ao fazer "Hoje", me deparo com uma sociedade que permite que sua memória seja roubada. E que aceita que, neste momento, alguém esteja sendo torturado numa prisão brasileira. Será que em algum momento a gente vai dizer: ‘Chega!’?”
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